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Sabedoria dos provérbios populares (3ª parte)

Provérbios e suas informações culinárias

Provérbios e suas informações culinárias - Arte: Greg/Folha de Pernambuco

Já vimos aqui, em colunas anteriores, provérbios que pedem informações culinárias e os que necessitam explicações para uma melhor compreensão. Hoje falaremos daqueles que, sem dados históricos, perdem seu sentido original. De logo encarecendo ao amigo leitor que, se lembrar de mais alguns, por favor envie à coluna para uma próxima edição.
“A cabra puxa sempre para a serra” – Cabra, bom lembrar, é a fêmea do bode. Chegaram ao Brasil com o colonizador português. Se deram bem, sobretudo no Nordeste, por serem pouco exigentes quanto à alimentação e se adaptarem ao clima. E, em busca de alimento, conseguem mesmo subir em qualquer elevação (serra).
“A fruta proibida é a mais apetecida” – Já ensinava a Bíblia: “Deus fez brotar da terra toda sorte de árvores de aspecto agradável, e de frutos bons para comer; e a árvore da vida no meio do jardim, e a árvore da ciência do bem e do mal... disse podes comer do fruto de todas as árvores do jardim; mas não comas do fruto da árvore da ciência do bem e do mal; porque no dia em que dele comeres, morrerás indubitavelmente”. (Gênesis 2, 9-17). Eva (em hebraico, costela) não resiste “ao fruto da árvore que era bom para comer, de agradável aspecto e muito apropriado para abrir a inteligência, tomou dele, comeu, e o apresentou também ao seu marido que comeu igualmente” (Gênesis 3, 6). Essa árvore, representada pela macieira, é a do conhecimento. O homem rejeitou a fé, quando quis conhecer suas origens.
“A melhor espiga é para o pior porco” – Quando os portugueses desembarcaram aqui não deram nenhuma importância a nosso milho. Tanto foi assim que destinavam seu uso, apenas, a animais e escravos. Foram esses escravos, que usando criatividade, acabaram transformando esse milho em iguarias preciosas – angu, pamonha, canjica, mungunzá, cuscuz. O provérbio remonta àqueles primeiros tempos.
“A mulher e o vinho tiram o homem de seu juízo” – O mais antigo porre de vinho que se tem registro foi o de Noé – quando deixou a arca, após 40 dias de dilúvio. 
 “Águas passadas não movem moinho” – Não moinhos de vento, como os descritos por Cervantes em Don Quixote. Aqui são “moinhos de água”, que giram na força das correntes dos rios para fazer energia ou amassar farinha.
“Ainda que o galo não cante, a manhã sempre rompe” – Galo canta de madrugada, todos sabem disso. O que nem todos sabem é que certo Caio Canio conseguiu que o Senado romano aprovasse lei proibindo que cantassem galos barulhentos, que o acordavam de madrugada. Esses galos passaram, então, a ser vigiados por pullarios. Com os criadores logo descobrindo que, castrados, paravam de cantar. Capões passaram, então, a ser iguaria muito apreciada.
“Canja e caldo de galinha não fazem mal a ninguém” – Canja de galinha chegou aqui com o colonizador português. A receita vem de Goa, chamada por lá kanji. Dom Pedro II era um grande apreciador. Tomava todos os dias. Inclusive no camarote imperial, quando ia ao teatro. A cena foi assim descrita por Raimundo Magalhães Junior (em Artur de Azevedo e sua Época – 1953) – “Vinham elencos da Europa e o imperador Pedro II prestigiava as representações sem dormir ou bocejar, fazendo questão apenas de tomar uma canja quente entre o segundo e o terceiro ato, que só começava, por isso mesmo, ao ser dado o aviso de que sua majestade terminara a canjinha”. E o que era bom para o imperador, claro, em tese também era bom para os seus súditos.
“Coco velho é que dá azeite” – Navegadores portugueses, “em perigos e guerras sublimadas”, acabaram “passando além da Taprobana” – como ensina o canto primeiro dos Lusíadas (“As armas e os barões assinalados/ Que, da Ocidental praia lusitana,/ Por mares nunca de antes navegados/ Passaram ainda além da Taprobana,/ E em perigos e guerras esforçados/ Mais do que prometia a força humana,/ E entre gente remota edificaram/ Novo Reino, que tanto sublimaram...”)  Essa Taprobana era o limite do mundo – a ilha de Ceilão, ao sul do continente asiático, hoje convertida em país, o Sri Lanka. Lá, nessa ilha, foi encontrado pelos navegadores um fruto verdadeiramente milagroso. Que além de carne branca e saborosa, própria para matar a fome dos homens, tinha em seu interior também água – o coco. E, sobretudo, podia ser facilmente transportado nas longas viagens. A partir de então ganhou o mundo. É do coco maduro que se faz o leite de coco – rico em gordura, como o azeite.
“Com açúcar e com mel até as pedras sabem bem” – Antes de conhecer o açúcar, nossos índios usavam mel de abelha como gulodice ou na preparação de bebidas fermentadas. Com a chegada dos portugueses, foi sendo substituído pelo açúcar. “Lua de mel” vem de tradição asiática, quando recém-casados deveriam tomar diariamente, durante uma lua (aproximadamente 30 dias), bebida de sustança feita com mel de abelha. Mas é preciso cuidado nos excessos. Que Átila, por exemplo, celebrando seu último casamento (453 a. C.), bebeu tanto mel que morreu encharcado. 
“De pequenino é que se torce o pepino” – Pepino veio da Índia. Há registros de seu consumo, no Egito e na Palestina, há mais de três mil anos. É citado no Velho Testamento (Nm 11, 5; Is 1,8). Indigesto se consumido descascado, melhor mastigar bem com casca. Na cultura popular, pepino é problema grande.
“Deus me dê pai e mãe na vida, e em casa, trigo e farinha” – O trigo só chegou ao Brasil com o colonizador. Enquanto a farinha de mandioca (farinha de pau) estava presente em todas as refeições indígenas. “Na terra não há pão, supre-se este defeito com a farinha de pau que é o pó de uma raiz sativa, a que chamam de mandioca” dizia Francisco da Fonseca Henriques em “Âncora Medicinal para Conservar a Vida com Saúde” (1731). O provérbio fala da importância do pão, na cultura.
“Em tempo nevado o alho vale um cavalo” – Cavalos, por serem valiosos, foram durante séculos usados como moeda de troca. No Brasil colônia, por exemplo, um deles valia 7 escravos (e um escravo, vinte e cinco manilhas de latão).
“Galinha que canta é que é a dona dos ovos” – A galinha chegou ao Brasil com Cabral. Os índios a viram, pela primeira vez, em 24 de abril de 1500. “Já de noite”, segundo Caminha. Nunca fez sucesso, entre eles. Nem seus ovos, que continuaram preferindo os de jacaré. O mesmo com os escravos, que depois aqui chegaram. Galinhas eram criadas pela gente simples da África, só para vender aos ricos. E ovos eram, por lá, apenas remédio. Por fim, só para lembrar, galinha canta mesmo quando põe os ovos.
 “Garapa não azeda” – Nas senzalas os escravos preparavam a garapa (mel de engenho misturado com água). Essa garapa com o tempo fermentava – a isso chamavam “garapa azeda”. A destilação dessa garapa azeda em alambiques de barro deu origem à cachaça. A garapa do provérbio é aquela que não é aguardente ainda.
“Peru quando faz roda quer minhoca” – Foi Colombo, nos registros de sua quarta viagem às Américas, quem primeiro deu notícia dessa ave domesticada pelos astecas a que chamavam huexolotl. Os primeiros colonizadores ingleses chegaram aos Estados Unidos só em 1620, a  bordo do Mayflower. Famintos e cansados, foram recebidos por nativos que lhes ofereceram esses perus, acompanhados com milho. Vem daí o “Thanksgiving Day” (Dia de Ação de Graças). Depois ganhou o mundo. E, em todos os lugares, gostam sempre de minhoca. 
“Sopa fervida alarga a vida” – No renascimento o sr. Boulanger (em francês, literalmente, “padeiro”), embora na profissão fosse “vendedor de caldos” (marchand de bouillon), inventou uma sopa fortificante, restauradora, feita de carne de boi, carneiro e legumes para ir à mesa antes do jantar, que denominou restaurant. Afixada, em seu estabelecimento, a placa dizia: “Boulanger vende restaurantes divinos, vinde a mim, vocês que têm o estômago em penúria, eu os restaurarei”.  Daí veio a própria origem da palavra restaurante.
“Transforme sempre limão em limonada” – Limão (Citrus limonum Risso) vem da Índia. Limões (limah) foram levados à Europa pelos árabes – que os consideravam fortificantes e afrodisíacos. Chegou ao Brasil no séc. XVI. Mas começaram a ser cultivados em larga escala, na Europa como nas Américas, só no séc. XIX.  O provérbio ensina que mesmo sendo a fruta azeda, quando misturada com água e açúcar fica saborosa. Como a própria vida.
 “Uvas, pão e queijo, sabem a beijo” – Uva e pão andam juntos desde a mais remota antiguidade. O pão simboliza, na Eucaristia, o próprio corpo do Cristo. E a uva, transformada em vinho, o seu sangue. O provérbio deveria parar por aí. Que beijo e queijo, no caso, apenas “seria uma rima, não seria uma solução” (Poema de sete faces, de Drummond).

 

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