Salada - comida de brincadeira
Durante muito tempo, o homem não misturou alimentos. Mesmo quando o cardápio foi aumentando. Em Roma, já se conheciam mais de 100 vegetais, com destaque para aipo, alface, agrião, beldroegas, bredo, couve, espinafre, malva, mostarda, rabaça e rábano. Além de alho-poró, claro, o preferido de Nero. Era servido um por vez e sempre ao fim das refeições, para ajudar na digestão. Só aos poucos começaram a andar juntos. Primeiro, nos esparregados - purês obtidos a partir do cozimento de folhas ou legumes. Depois, ao natural.
Era um prato típico de camponeses, por comodidade na coleta dos ingredientes e simplicidade no fazer. Já na Idade Média, essas folhas começaram a ter flores por companhia. Passando a ser temperadas apenas com sal - daí vindo a própria designação do prato: salada. Um nome com origem em dialeto da região de Provence (sul da França), o provençal. É assim por toda parte. Em francês, salade; inglês, salad; espanhol, ensalada; alemão, salat. Depois começaram a usar também, para temperar, gordura de peixe, azeite e vinagre; e, junto a novas receitas, também novos hábitos. Como, nos tempos de Luís XIV, o de nunca cortar folhas com faca - por serem quase sempre de prata, os talheres acabavam oxidando. Por conta do vinagre; mas isso não se sabia à época.
O século XIX foi o das saladas. Napoleão, em Santa Helena, comia quase que só carnes do Brasil e saladas. Começaram a ser servidas com molhos frios que, combinando ingredientes, acentuavam seu sabor. A elas se juntaram, aos poucos, bacon picado, croûtons (quadradinhos de pão torrados e amanteigados), nozes, passas, sementes de girassol e de gergelim, salsa, cebola, cebolinho, hortelã e outros temperos verdes. Além de azeite, vinagre, sal, pimenta, mostarda, casca ralada de limão ou de laranja, mel, creme azedo, iogurte, queijo. Passaram a ser preparadas artisticamente; sobretudo pelos franceses, em mãos de quem se tornaram famosas.
Adaptação
Alheia a todo esse movimento, no Brasil colonial, a salada continuava sem nenhum prestígio. Nossos índios a chamavam de cumbari - folhas comestíveis que se espalhavam em volta das pimenteiras (cumbari era para eles, também, o próprio nome da pimenta). Embora matassem pela pimenta, não morriam de amores por essa comida a que consideravam “de brincadeira” - por ser leve, sem sustança e sem sabor.
Nem eles, nem nossos escravos. “Quem gosta de folha é lagarta” - se diz, ainda hoje, no interior de Pernambuco. O gosto pelas folhas, portanto, devemos exclusivamente ao colonizador português. Aqui, servidas segundo costumes próprios daquele tempo, bem diferentes dos europeus. Com os vegetais vindo à mesa sempre cozidos e acompanhando carnes. Assim está no primeiro livro brasileiro de culinária, “Cozinheiro Imperial ou Nova Arte do Cozinheiro e do Copeiro em Todos os seus Ramos” (1840), assinado por certo RCM, que não se sabe quem terá sido.
Ou mesmo se existiu. O livro traz receitas do que se deveria servir “às esplêndidas mesas e delicados gostos, bem como ao alcance das mais moderadas posses e das mais simples necessidades”. Quase uma reprodução de outro livro que, à época, fazia sucesso em Portugal - “Cozinheiro Moderno”, de Lucas Rigaud. Aos poucos, e por imitação à aristocracia portuguesa, saladas passaram a figurar nos cardápios da burguesia. Durante muito tempo, apenas alface e tomate. Em “Cozinheiro Nacional”, segundo livro de culinária, editado no Brasil (entre 1874 e 1888), de autor também desconhecido, já apareciam vinte e uma receitas de saladas. Para todos os gostos - de alface (à alemã, à francesa, à inglesa, à mineira), de batatas, de beldroegas, de beterrabas cozidas, de anchovas, de sardinhas. Só mais recentemente acrescentamos, a essas saladas, folhas novas que começaram a chegar do Sul: alface de vários tipos (americana, francesa, romana, lisa, crespa), chicória, endívia, escarola, radicchio, rúcula. Também algumas frutas (maçã, manga, morango, kiwi) e queijos (gorgonzola, roquefort, parmesão, coalho). E foram ganhando cada vez mais prestígio. Passando a frequentar quase todas as mesas. Por serem saudáveis. E, sobretudo, por serem muito saborosas.