Se tens sardinha... Não andes à cata de peru
Assim diz conhecido ditado português. Nada contra o peru, claro. Mas poder comer sardinha em Portugal, nessa época do ano, é mesmo um grande privilégio. Semana passada, nos ligaram, de lá, dois amigos muito queridos. Edna e Carlos Roberto Moraes - fundador do Instituto do Coração de Pernambuco e o maior cirurgião cardiovascular do planeta. Estavam no Beira Mar, o melhor restaurante de Cascais.
Provando as sardinhas da casa. Por esse tempo (de junho a setembro), logo depois da desova, elas são mais gordas e saborosas. Outro ditado até ensina que Pelo São João, a sardinha pinga no pão. A pele solta com facilidade e sua gordura pinga (embebe) no pão.
Por esse motivo, são típicas das Festas de Junho - Santo Antônio, São João, São Pedro. Os Santos Populares, como se diz por lá. Ocorre que nem sempre é assim. Em alguns anos, primaveras mais frias atrasam o ciclo de vida dos peixes. E o tal nível de gordura ideal pode ser atingido só no início de julho. Donde pingar no pão, bem visto, depende do tempo.
Sardinhas nem sempre tiveram o prestígio que hoje têm. Durante longo período foi apenas ingrediente do garum - um molho que temperava pratos salgados na Roma Antiga. Um dos seus primeiros registros está no livro Relieves de las mesas, acerca de las delicias de la comida y los diferentes platos - do jurista, poeta e gastrônomo de Murcia (Espanha), Ibn Razin al-Tujibi (1227 - 1293).
Domingos Rodrigues, autor do primeiro livro de receitas em Portugal (Arte de cozinha, 1680), não dá nenhuma receita delas. Apenas sugere (no capítulo De Peixes), não se sabe bem por que, consumi-las “em Novembro e Dezembro”. Já Lucas Rigaud (O cozinheiro moderno, 1780) sequer se refere a elas. É desse tempo o ditado popular Não há comida abaixo da sardinha, nem burro abaixo de jumento.
Só aos poucos o peixe foi ganhando fama. João da Mata (Arte de cozinha, 1876) dá três receitas - Sardinhas à Mata, Sardinhas em Pastelinhos à Portuguesa e Sardinhas em Espiches. E Maria de Lourdes Modesto (Cozinha tradicional portuguesa, 1989), no livro de culinária mais vendido em Portugal, recomenda Sardinhas Frescas de Caldeirada, Sardinha na Telha, Sardinhas Assadas no Enguiço (entre camadas de fagulhas de pinheiro) e Sardinhas de Costeletas. Apesar de ser prato popular, está hoje no cardápio de todos os grandes chefs.
Sardinhas podem ser preparadas salgadas ou em conservas (mais comuns no Brasil). Ou, ainda, frescas e assadas na brasa (a melhor delas). Para assar, é necessário temperar apenas com sal grosso. E colocar em grelha bem aquecida, distante da brasa apenas 10 cm.
Essa brasa deve estar incandescente e calma, recomendam os entendidos. E se as brasas acenderem com a gordura das sardinhas, não se deve colocar água. Melhor apenas levantar a grelha e esperar que o fogo se apague. Para serem assadas, de dois a três minutos de cada lado, até que fiquem douradas.
Na mesma grelha, devem ser assados os pimentos (pimentões) com que se fazem a salada - que, junto com o pão, acompanham as sardinhas. Tudo regado, claro, com bom vinho tinto. E de sobremesa, se possível, frutas próprias dessa época - cerejas, figos, morangos. É prato para ser repartido com os amigos, em volta do fogo. Pena que, por aqui cheguem apenas sardinhas congeladas que, nem de longe, têm o mesmo sabor das frescas. Acontece, ora pois.
RECEITA: SARDINHAS DE COSTELETAS
(Receita de Maria de Lourdes Modesto)
INGREDIENTES
8 sardinhas grandes
3 dentes de alho
1 limão
Sal
2 ovos
Pão ralado
Azeite e óleo para fritar
PREPARO
· Abra a sardinha (de cima a baixo) pela barriga. Retire as espinhas
· Tempere com sal, suco de limão e dentes de alho amassados
· Na hora de servir, passe as sardinhas pelos ovos (previamente batidos) e, logo depois, no pão ralado (pão de caixa passado no processador)
· Frite em óleo (e azeite) bem quente. Sirva com rodelas de limão, batatas cozidas e arroz de tomate
*É especialista em Gastronomia e escreve quinzenalmente neste espaço