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Tempo de Natal

A data pede celebração e agradecimento como principais ingredientes - Da editoria de Arte

No Natal celebramos o nascimento do Cristo. É tempo de refletir. De renovar propósitos. De agradecer. De semear. De ajudar o próximo. De dar presentes. É o que faço, agora. Oferecendo, aos queridos leitores, texto de D. José Tolentino Mendonça - poeta, ensaísta e grande orador.

Considerado, por muitos, o Vieira dos nossos dias. Tivemos o privilégio de ouvi-lo, muitas vezes, na Capelinha do Rato (em Lisboa). Este ano, orientou o retiro da Quaresma do Papa Francisco e da Cúria Romana.

 As meditações desse retiro foram reunidas em livro (Elogio da Sede) com prefácio e mensagem final do próprio Papa. Recentemente foi nomeado, por ele, arcebispo. E, no Vaticano, cuida do Arquivo Secreto e da Biblioteca.  Transcrevo, a seguir, trechos de À mesa, saboreamos a amizade de Jesus (do seu livro Nenhum caminho será longo):
“É verdade que a Eucaristia é uma refeição, e que ela condensa, em torno de uma mesa, o inteiro destino do Senhor, como se todos os seus gestos e palavras confluíssem, afinal, para a unidade de um único gesto e de uma única palavra.

Mas a Eucaristia nasceu já como uma refeição atípica, impregnada de uma semântica irredutível a esse enquadramento. Desde o princípio foi relatada e acolhida, na fé da comunidade cristã, como o dom radical de si que Jesus protagonizou e como comensalidade que congrega os crentes à volta desse acontecimento.

Contudo, aquilo que se verifica é que, além da Eucaristia, os Evangelhos estão costurados pela memória de outras refeições. E, estas, colocando Jesus numa situação simbólica cheia de implicações, iluminam para nós o sentido profundo da amizade de Jesus.

“O comer em companhia transforma a satisfação de uma necessidade primária num momento social de grande alcance. A mesa reflete a vida como um espelho. À mesa não acontece apenas a consumação de um ato biológico, mas a significativa expressão de alguns dos códigos mais intrínsecos a uma cultura.

Já em Plutarco se lia que não nos sentamos à mesa simplesmente pra comer, mas para comer com. E esta convivialidade constituía, no quadro de valores do mundo mediterrâneo de então, um fator de distinção entre o homem civilizado e o bárbaro.

A companhia à mesa faz do motivo da alimentação uma espécie de microcosmo que reflete desejos e interditos, práticas e tráficos de sentido. Ao observarmos o modo como se desenvolvem as refeições ficamos na posse da estrutura interna, valores e hierarquias de um determinado grupo humano, bem como dos limites que ele estabelece com o mundo que o rodeia.

Pois, quando se chega a perceber a lógica e o conteúdos dos alimentos, bem como a ordem que regula a mesa (com quem se como, onde se come, a lógica dos diversos lugares e funções à mesa...) alcança-se um conhecimento muito importante.
“A mesa é também um pacto de linguagem, pois o hóspede trás como dom a narração da sua história.

É um espaço/tempo onde o contar se realiza no contar-se. Diante dos que me escutam, abre-se a possibilidade autobiográfica, que permite recompor os fragmentos, enlaçar os fios quebrados, encontrar as palavras que segredam a íntima arquitetura da vida”.

Celebremos, pois, o Natal em volta da mesa. Repartindo o pão. Mudaram os Natais, como já pressentira Machado de Assis. Mas mudamos com ele, também, todos nós. Só não vai mudar a tradição da ceia com receitas tradicionais, passadas de mãe para filha. Sempre com parentes e amigos à volta. Agradecendo, permanentemente o dom da vida. A todos desejo, com o coração, um Natal verdadeiramente feliz.

*É pesquisadora e especialista em Gastronomia e escreve quinzenalmente neste espaço

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