Último dia de agosto

Arte/Folha de Pernambuco

Em agosto nos vemos (Record), livro póstumo de Gabriel Garcia Marques, tem o mesmo estilo fascinante e único daquele que é considerado um dos maiores escritores da literatura mundial. Mas por que Agosto? Pensei que talvez por conta de antigo ditado popular que diz que “Agosto é mês do desgosto”, por conta das tantas tragédias acontecidas neste mês. Começou a Primeira Guerra Mundial (1º de agosto de 1914), Hitler tornou-se líder na Alemanha (2 de agosto de 1934), Hiroshima e Nagazaki foram bombardeadas (6 e 9 de agosto de 1945). Aqui no Brasil, morreu o governador de Pernambuco Agamenon Magalhães (24 de agosto de 1952), Getúlio cometeu suicídio (24 de agosto de 1954) e Jânio Quadros renunciou (21 de agosto de 1961). Superstição é mesmo crença sem lógica. Vem do latim superstitio – “excessivo receio dos deuses”. Para Câmara Cascudo (no Dicionário do Folclore Brasileiro), “participa da própria essência intelectual do homem, e não há momento na história do mundo sem sua inevitável presença”. Seja, então. E são muitos os que padecem desse mal. “Era supersticioso Napoleão e era também Bismarck. É livre de toda superstição qualquer jumento, o que prova que a liberdade do espírito não é incompatível com o comprimento das orelhas”, escreveu Carlos Cirilo Machado, 2º Visconde de Santo Tirso (em De Rebus Pluribus, Lisboa, 1923). De Portugal nos vieram muitas dessas superstições. Como não passar debaixo de escada; ou se livrar de espelho quebrado; ou correr de gato preto. 

Lembrando que são também muitas as superstições na culinária. Nunca devem sentar numa mesa treze pessoas, por serem 13 os que participaram da Última Ceia – Jesus e mais seus doze apóstolos. Nossos índios, em suas mesas, apenas evitavam comer os “animais totens” – aqueles que lhes protegiam. E escravos africanos não deixavam restos de comida no prato, para que não fossem aproveitadas por espíritos atormentados. Algumas dessas superstições se originaram, provavelmente, da tentativa do colonizador português em ensinar bons hábitos nas refeições – nunca dizer nome feio, sentar sem camisa ou usar chapéu. Não só isso. Nunca passar o saleiro diretamente para a mão de quem pediu. Nem comer o primeiro ou o último bocado. Não deixar beber o resto do copo, pois revelaria todos os seus segredos. Quando pegar o prato, usar a mão direita, e devolver com a esquerda – o que trará fartura à mesa. Vinho derramado é alegria. Sal na toalha é mau agouro. Dinheiro é miséria. Farinha no chão é sinal de progresso. Não cumprir esses rituais, segundo a crença popular daqueles primeiros tempos, seria grande ofensa ao Anjo da Guarda – presente em todas as refeições. E donzelas, bom lembrar, não deveriam servir sal, passar o paliteiro ou cortar galinha.

Há superstições, também, em outros hábitos alimentares. Como o de acender o fogo. Em um tempo em que fogões eram ainda todos a lenha, claro. Se o fogo demorar a pegar, nunca praguejar – que atrai os maus espíritos. Nunca acender com papel – que a comida ficará sem gosto. E, se começar a sair faísca, jogar alho – para mandar embora os maus espíritos. Na hora de apagar esse fogo, nunca usar água, nem pisar nas brasas – o que traria dificuldade em acender novamente. Na hora de cozinhar, alguns cuidados também. A comida deve ser sempre mexida em uma única direção e por uma única pessoa – para que não fique sem gosto. Não usar faca na hora de misturar comida na panela – que “fará mal a quem comer”. Não deixar colher dentro da panela, nem descansando na borda, que altera o ponto de cozimento. Nem bater com ela na borda da panela, que desanda (perde o ponto). E quando uma mesma panela queimar a comida várias vezes, é que “ficou viciada” – e, melhor será, colocá-la de lado. Todos sabemos que nada disso tem qualquer fundamento científico, claro. É só superstição. Mas, pelo sim pelo não, para quem acredita, recomenda-se usar figa, ferradura, pé de coelho, trevo de quatro folhas, ramos de arruda ou de alecrim. Ainda, bater na madeira e tomar banho com sal grosso. 

Ao contrário de tudo isso, o livro de Gabriel Garcia Marques é um hino à vida. É a história de uma filha  (Ana Magdalena) que todos os anos, em agosto, pega uma barca e visita a ilha onde a mãe está enterrada. Ali, mais do que em qualquer outro lugar, ela compreende a importância de celebrar a vida.  “Ao chegar agosto sentia-se com forças de sobra para continuar sendo ela mesma. E a travessia na barca parecia eterna como sempre”.  

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