Viva Ailton Krenack

Ailton Krenack - Greg/Arte Folha de Pernambuco

Ele é líder e ferrenho defensor dos direitos indígenas, ambientalista, filósofo, poeta, escritor, Doutor Honoris Causa pela Universidade Federal de Juiz de Fora, membro da Academia Mineira de Letras.  E agora, também, o primeiro indígena a se tornar imortal da Academia Brasileira de Letras. Em uma cerimônia histórica tomou posse, em 5 de abril, na Cadeira 5, anteriormente ocupada pelo historiador José Murilo de Carvalho. Levou junto com ele costumes de seu povo. Usou o fardão junto com uma bandana. E, sobretudo, serviu aos convidados iguarias indígenas. Batata doce envolvida em argila, assada no forno para ser quebrada com martelo e comida com as mãos. Sopas feitas com água da bica, mandioca, banana-da-terra, banana verde e cogumelos; servidas em combucas de argila, forradas com folha de taioba. Essas cumbucas depois eram colocadas em uma bacia de água para que derretessem e “voltassem para a terra”. E, também, frutas ao natural ou em doces, castanhas de caju e lâminas de coco. Sucesso total.

Só para lembrar, quando aqui chegaram os portugueses os nossos índios tinham alimentação simples, variada e sobretudo saudável. Eram então muitos. Mais de 5 milhões. Hoje, segundo o Censo de 22, restam pouco mais de um milhão e meio. Aproveitavam tudo o que a terra lhes oferecia. E não se deslocavam à procura de alimentos, salvo raríssimas exceções – como em tempos do caju ou da pesca de alguns peixes. Eram “caçadores sem cães, pescadores sem anzóis e plantadores sem enxada”, segundo o naturalista alemão Karl von den Steinen (1887). Pescavam camarão, caranguejo, lagosta, marisco, ostra, pitu e peixes em geral. Muitos desses peixes inclusive conservam, até hoje, o mesmo nome dado por eles – baiacu, beijupirá, camurim (chamado no sul de robalo), carapeba, jaú, piaba, pirarucu, surubim, tainha, tucunaré. Caçavam – cobra, jacaré, lagarto, tartaruga e porco selvagem do mato. Aves, também – arapuã, araponga, curió, jandaia, patativa. E insetos – besouro, gafanhoto, cupim, tapuru. Tanajura, também, hábito que se conserva até hoje em muitas cidades do interior do Brasil. Apreciavam frutas – abacate, abacaxi, abajeru, açaí, abiu, ananás, caju, goiaba. Gostavam de pacova – cruas, assadas ou sob a forma de mingaus. Mas tinham especial preferência pelas raízes – cará (semelhante ao inhame vindo da África), batata-doce e, especialmente mandioca, o principal ingrediente da dieta indígena, presente em todas as refeições. Dessa mandioca faziam beiju, farinha (do mesmo jeito que se faz até hoje), mingau e pirão. Se alimentavam ainda de amendoim, milho e da folha não desenvolvida da guariroba – chamada precipitadamente, por Gabriel Soares de Souza, de palmito. Folhas não. A essas folhas chamavam “cumbari”. Era comida de brincadeira – leve, sem sabor, sem sustança. 
Conheciam o fogo, e sabiam acendê-lo pela fricção de varas – que o choque pelo sílex veio só com os portugueses. Esse fogo era usado para aquecimento de ocas, como instrumento de defesa ou no preparo da comida. Assavam carnes e peixes no moquém – espetos paralelos, sobre a brasa, precursores dos churrascos de hoje. Como tempero usavam pimenta. Às vezes pura. Às vezes numa mistura com água do mar, a que chamavam “ionquet”, colocada diretamente na boca, junto às carnes.  Raramente cozinhavam os alimentos na água. Quando o faziam, usavam potes de cerâmica. Não conheciam fritura – técnica aprendida só bem depois, com os portugueses, que para isso usavam óleos vegetais (de oliva) e gordura animal. Nem conheciam açúcar. Doce, na cultura dessa gente, era mel de abelha. Consumido puro, por gulodice. Ou misturado a raízes e frutas, na preparação de bebidas fermentadas – alué, açui, tiquira e cauim (a mais prestigiada das bebidas indígenas).
  
A esses índios devemos muito. Da nossa maneira de ser. De nosso temperamento. De nossos hábitos alimentares. De nossa música. Os africanos utilizavam sobretudo tambores – tinham obsessão por percussão, mas a música do índio era sofisticada, feita de maracás, flautas e tambores. Depois incorporaram o pandeiro. Segundo Bernardo Alves (em a Pré-História do Samba) o próprio samba nasceu na nação cariri, e não nas senzalas, como reza a tradição. E aqui mesmo no Nordeste, longe do Rio de Janeiro. Esse debate vai longe.  De lamentar, apenas, que a história brasileira celebre o dia do Índio (19 de Abril), mas não celebre nenhum herói indígena. Nem mesmo personagens, especialmente notáveis, como o tupiniquim Tibiriçá, que ajudou o colonizador na formação de São Paulo (1562); o temiminó Araribóia (“cobra feroz”, em tupi), que ajudou a vencer os franceses de Villegaignon, no Rio (1567); ou o potiguar Felipe Camarão, que contribuiu para derrotar os holandeses de Nassau, em Pernambuco (1649). Agora tudo começa a mudar. Assim esperamos. Viva Krenak!

Veja também

Haddad: descongelamento é resultado de melhor performance da economia
Brasil

Haddad: descongelamento é resultado de melhor performance da economia

PF prende procurado pelos atos golpistas e candidato a vereador no interior de SP
Golpistas do 8/1

PF prende procurado pelos atos golpistas e candidato a vereador no interior de SP

Newsletter