Viva o sarapatel

O sarapatel chegou ao Brasil com os colonizadores - Greg/Arte Folha de Pernambuco

Sarapatel é prato pesado, feito com sangue e miúdos de porco. E ninguém fica indiferente a ele, ou se ama ou se odeia. O nome surgiu, em Portugal (meados do século XVIII) como sarapetel, depois sarapatel. Ou, assim se diz ainda hoje em alguns interiores de Portugal, sopa de sarapatel – com sangue e carne do borrego; servida, essa sopa, com fatias de pão e rodelas de laranja. Não há dúvida quanto a isso. Já quanto à origem da receita há controvérsias. Segundo a mais acreditada versão, tudo se deu na região do Alentejo. Há também quem sustente que, dadas algumas semelhanças no fazer, teria vindo de Goa (Índia). Uma aposta ruim; porque, mais provavelmente, chegou ali no tempo em que foi possessão portuguesa – de 1510 a 1961. Dando-se que tão longa dominação, como em tantos outros casos, acabou entrelaçando cozinhas – a dos colonizadores e a dos colonizados. E basta provar os pratos para ver que são sabores bem diferentes. Com receitas também diferentes. Em Goa, sarapatel quase nunca leva sangue. Em troca, usa sobretudo temperos da terra − açafrão, canela, coentro, cominho, cravo, gengibre e tamarindo; além de alho, cebola, pimenta-malagueta e, conforme o gosto, vinagre.  

Para outros, seria uma adaptação de prato do Minho, o sarrabulho – feito com fígado, rim, sangue e tripas de cabrito ou porco. Curioso é que, nessa região, acrescentando-se galinha e carne de vaca, nasceram dois outros pratos que, não obstante diferentes no aspecto, são muito semelhantes no gosto e nos ingredientes. O primeiro é arroz de sarrabulho – em que à receita se agrega arroz, claro. O segundo, papas de sarrabulho, servido sobretudo (por ser forte e calórico) no inverno – em que entram  sangue do porco, carnes (de porco, chouriço, galinha, presunto) e farinha de milho (ou de pão), ficando o prato com a consistência de sopa. Duas receitas usadas em Portugal como acompanhamento de assados. Especialmente rojões à moda do Minho – pedaços de porco cortados em forma de cubos (os rojões), temperados com alho, sal, pimenta, louro e vinho; além de bolachos (uma espécie de pão), chouriço, fígado e tripas esfarinhadas. Valendo ainda lembrar o sarrabulho doce – sobremesa em que, ao sangue do porco, se juntam mel, nozes, pão e passas. Os portugueses nos ensinaram todas essas receitas.  Mas, sem que se saiba como ou por que, nada disso acabou incorporado ao cardápio brasileiro. Só o sarapatel pessoalmente. Em troca, entrou no vocabulário a palavra sarrabulho, como sinônimo de algazarra, confusão, desordem. E, também, de assar no fogo, como se vê na sextilha do cantador paraibano Sebastião Nunes Batista: 

Pega toda aquela carne 
Enfia numa vareta
E sarrabulha na brasa. 
Chega a carne ficar preta 
Arruma numa mochila
Depois bota na maleta.  


Ao Brasil, o sarapatel chegou com os colonizadores. Mantendo (quase) os mesmos cheiros e gostos dos preparados em Portugal durante os últimos 500 anos. Com algumas (poucas) diferenças, algo mesmo natural. Como o fato de se usar, por lá, sobretudo borrego ou cabrito. Ou ser consumido sobre fatias de pão dormido. Por aqui, e mesmo sendo receita importada, logo se tornou prato indispensável em todas as mesas do Nordeste brasileiro, na companhia de arroz, farinha de mandioca e molho de pimenta. No interior de Pernambuco, segundo Mário Souto Maior (em Alimentação e folclore), é costume perguntar a quem está zangado: “Você comeu sarapatel de cachorro doido?”. Como se a doidice do cachorro passasse para quem se serve dos seus miúdos. Sem registro de nenhum sarapatel que tenha endoidado qualquer de seus consumidores. Ou que tenha sido feito com miúdos de cachorro. Ao menos até hoje.
 

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