Volta a Portugal (2ª parte)
A culinária portuguesa foi se formando aos poucos, a partir de influências de vários povos. Depois dos romanos (como vimos na coluna anterior), chegaram bárbaros germanos (séc. V) – alanos, godos, suevos, vândalos, visigodos. Eram bocas ferozes, insensíveis aos encantos de uma comida suave. Grandes caçadores, ensinaram a técnica de caçar e o gosto por carnes semicruas. De preferência javali e vaca, posto que boi destinavam ao preparo da terra. Ensinaram também a fabricar queijos, de todos os tipos. Mais tarde chegaram ainda os mouros (em 711), árabes que habitavam o norte da África. Do esforço com que se davam aos ofícios, decorreu a expressão “trabalhar como um mouro”. Entre todos esses povos, foi o que mais influenciou a cultura da Península Ibérica. Em todas as áreas: arte, agricultura (usando técnicas de irrigação e moinhos de água), arquitetura, indústria (de azulejo, de azeite e de tecido). Plantaram amendoeiras e oliveiras. Além de algodão, arroz, cana-de-açúcar, laranja, limão, maçã, melão, tangerina. Aperfeiçoaram as plantações de vinhas, iniciadas pelos romanos – mas só para consumo de uva, que o Alcorão proibia beber álcool. Acostumaram o paladar ibérico às especiarias que traziam das Índias: anis-estrelado, canela, cravo, erva-doce, gengibre, noz-moscada; mais arroz, aveia, trigo; e amêndoas, pistaches, nozes. Foi em busca dessas especiarias, e também do açúcar, que se lançaram os portugueses ao mar, nas grandes navegações.
Uma parte dessa culinária moura permanece, até hoje, no cardápio lusitano: almôndega (bolinho de carne ou peixe picado com ovos, farinha, ligado com miolo de pão e temperado com salsa, noz-moscada, pimenta, tudo cozido em molho espesso), açorda (água, alho, azeite, pão, acrescido do que se tiver à mão, como por exemplo carne ou bacalhau), adáçana (guisado de tripa de bode que, com o tempo, simplesmente desapareceu das mesas). Os árabes também deixaram um jeito próprio de preparar carneiro, chouriço, galinha e peixe; e de fazer defumados ou estufados. Mas a maior contribuição de sua culinária foi mesmo a doçaria. No princípio, feita com mel – um bolo a que chamavam simplesmente “de mel”, doce folhado de mel (massa folhada regada de mel), alféloa, alfenim. Mais tarde, receitas também com açúcar. Mais de 300 palavras árabes ficaram na língua portuguesa, em sua grande maioria referindo culinária: açafrão, acepipe (hoje significa aperitivo, mas no início assim chamavam passas de uva), acelga, albarrada (jarra), alcachofra, alcaparra, alface, almôndega, atum, berinjela, cenoura, melão, sorvete, xarope; ainda álcool, alqueire, arroba, fatia, garrafa. Além de açougue (as-suq) – para os árabes, só nome dado a uma rua estreita, com lojas dos dois lados, em que se vendia de tudo (carnes inclusive).
Judeus também andaram por lá. Pela dificuldade em se fixar na terra, concentraram-se em portos de grandes cidades. Viviam em shtetl (no ídiche, cidadezinha). Por este nome, designavam as aldeias judaicas na Europa Ocidental. Dedicaram-se ao comércio de escravos e alimentos. Em memorial de 1602, já eram acusados de “exploradores do povo que se sustenta de peixe seco”. Começaram a fazer, de seus filhos, doutores. Nenhum povo daquele tempo teve tantos, sobretudo bacharéis e médicos. Deles herdamos o gosto por óculos e pincenês. E alguns pratos, como o carneiro com ervas e o cozido – que se originou da adafina, principal alimento do Shabbat, dia do louvor que equivale ao repouso dominical do cristão. Esses judeus viveram tranquilos por bastante tempo, em Portugal. Mas só até quando D. Manuel I, O Venturoso (1469–1521), casou-se com Isabel. Ela, filha dos reis católicos da Espanha (Isabel I e Fernando) – responsáveis pela expulsão dos judeus da Espanha, em 1492, com o Decreto de Alhambra. A partir de então, passaram a ser perseguidos impiedosamente. Muitos deles fugiram para o Brasil. A Pernambuco vieram a partir de 1630, trazidos pela Companhia das Índias Ocidentais. Na Rua do Bode – logo convertida em dos Judeus, nos números 12 e 14, fundaram a primeira sinagoga das Américas. Por toda parte, o grande império português ia se construindo, à beira do mar: Angola, Brasil, Cabo Verde, Goa, Guiné, Macau, Moçambique, Timor. Com fortes semelhanças entre todos. Nas festas: Entrudo, Páscoa, São João, Natal. Nos alimentos, com variações apenas de ingredientes e temperos. E na maneira especial de receber, sempre em volta de mesa farta. Por tudo isso, voltar a Portugal é sempre muito bom. Porque é como voltar para casa.
RECEITA: BACALHAU À BRÁS
INGREDIENTES: 400 g de bacalhau, 3 colheres de sopa de azeite, 500 g de batata, 6 ovos, 3 cebolas, 1 dente de alho, salsa, sal, pimenta, óleo, azeitonas pretas.
PREPARO:
Demolhe o bacalhau, retire espinhas e pele, desfie.
Corte as batatas (em palha), frite em óleo bem quente e seque em papel absorvente.
Coloque em uma panela o azeite, as cebolas (cortadas em rodelas bem finas) e o alho (picado). Acrescente o bacalhau desfiado e deixe refogar, lentamente. Junte a batata palha e os ovos (batidos com sal e pimenta). Mexa cuidadosamente até que os ovos estejam cozidos.
Coloque tudo em uma travessa. Polvilhe com salsa picada e azeitonas pretas. E sirva logo.