Passarinho pet: os prejuízos da compra ilegal, as aves que você pode criar em casa e como cuidar

Não é preciso recorrer à ilegalidade para adquirir um passarinho de canto bonito 

Pássaros exigem cuidados bem diferentes dos cuidados com cães e gatos, principalmente com relação ao tráfico e a maus-tratos - Jebakumar Samuel/Pexels

Se você acordar cedinho e dar uma volta entre 5 e 7 da manhã, é possível que veja algumas pessoas “dando banho de sol” em passarinhos.

É praticamente uma tradição, principalmente em praças na Região Metropolitana do Recife e no Interior de Pernambuco, pegar a gaiola do passarinho e dar uma volta com a ave para que o animal tome um pouco do sol da manhã. O problema é que nem todos esses animais são domésticos e, por isso, muitos são adquiridos pela ilegalidade. 

Ter um passarinho como pet não é impossível, nem tão difícil quanto parece, desde que esse animal seja criado na legalidade.

De modo geral, segundo o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), pássaros exóticos podem ser comercializados e criados como animais domésticos. 

Já as aves nativas da fauna brasileira não podem ser criadas fora do habitat natural sem acompanhamento e fiscalização de órgãos públicos. 

Casal de periquitos australianos, animais que são vendidos em pet shops com venda liberada pelo Ibama - Murilo Folgosi / PexelsCasal de periquitos australianos, animais que são comercializados em pet shops com venda liberada pelo Ibama | Foto: Murilo Folgosi /Pexels

Aves que podem ser adquiridas em pet shops - como calopsita, amandine, periquito-australiano, diamante-de-gould, canário-do-reino e mandarim - não passam nem pela fiscalização do Ibama. A única fiscalização sobre esses pássaros é referente ao cuidado, com relação a casos de maus-tratos, por exemplo. 

Com tamanhos diversos, cantos belíssimos e características únicas, essas aves estão na lista de aves isentas de controle para fiscalização do Ibama e podem ser adquiridas em lojas de animais.

Já o sabiá, papa-capim, azulão, canário-da-terra, galo-da-campina, curió e sanhaço são exemplos de aves que não são liberadas para criação como animais domésticos no Brasil.

Além de infringir uma lei ao adquirir esse animal em locais como “feiras do troca”, quem faz isso também contribui para os maus-tratos de pássaros.

Compra ilegal
Segundo o chefe da fiscalização do Ibama em Pernambuco, Amaro Fernandes, os pássaros resgatados de vendedores ilegais, do tráfico, estão sempre enjaulados em locais minúsculos e por muito tempo.

“Não tenha dúvida, não existe comércio ilegal de fauna sem maus-tratos associados. Um traficante de fauna não está preocupado com o bem-estar animal. Para ele, esses animais são mera mercadoria barata”, diz Amaro. 

Gaiolas onde aves silvestres eram mantidas antes da venda no tráficoGaiolas onde aves silvestres eram mantidas antes da venda no tráfico antes do resgate do Ibama | Foto: Cortesia/Ibama

Não é incomum, por exemplo, ter mais de 10 animais em uma gaiola do tamanho de uma caixa de sapato. Dentre esses pássaros também não é incomum ter ao menos uma ave morta. 

“Eles são contidos em cumbucas ou viajantes, que são recintos, recipientes minúsculos, inadequados para o seu tamanho. A palavra é atochado, certo? Atochados às dúzias. Dúzias de animais apertados dentro dessas caixas minúsculas. Eles comem? Eles bebem água? Não. Com sede, com fome, em pânico. Sem entender o que está acontecendo com eles, sem compreender, eles se bicam, morrem, são pisoteados por outros animais, ficam cobertos pelos próprios dejetos. É isso que eu encontro sistematicamente todas as vezes que eu faço atividade de fiscalização contra esse crime ambiental”, informou Amaro. 

Segundo o chefe de fiscalização do Ibama, essas situações são comumente flagradas em feiras livres, como “feiras do troca”. Se o animal é adquirido nesses ambientes, o comprador da ave está, com certeza, participando do tráfico de animais. 

O tráfico de animais é um dos principais responsáveis pelo empobrecimento da fauna silvestre brasileira, sendo capaz de causar a extinção de várias espécies.

Com a retirada do animal de seu habitat natural, todo o ecossistema é perturbado, e a diversidade genética dos animais da área onde foi capturada a ave traficada fica comprometida.

Chefe da fiscalização do Ibama em Pernambuco, Amaro FernandesChefe da fiscalização do Ibama em Pernambuco, Amaro Fernandes - Walli Fontenele / Folha de Pernambuco 

“Para cada animal preso, traficado, é menos uma centena de aves na floresta”, explicou Amaro. 

Denúncias sobre o tráfico de animais silvestres podem ser feitas através do número 181, que direciona casos para a Companhia Independente de Policiamento do Meio Ambiente (Cipoma). 

O Tenente Filipe Almeida, do Cipoma, explicou que um dos principais canais para dar fim a casos de tráfico de animais é a denúncia. 

“A gente recebe muitas denúncias. Normalmente as demandas de resgate de animais chegam através deste canal. Mas também a gente faz muitas feiras livres. A maioria das nossas feiras aqui, tanto na RMR (Região Metropolitana do Recife) como no Interior, contam com animais à venda. Infelizmente já é uma coisa cultural. Todo mundo está lá comprando e vendendo animais silvestres. Por isso a gente tenta atuar nessas feiras livres pra poder fazer apreensões”, explicou. 

Tenho um pássaro ilegal, o que fazer?
Não dá para legalizar um animal que foi traficado. 

“Quando me perguntam se é possível legalizar uma ave que foi comprada de forma ilegal, eu sempre comparo com um carro. Se você comprou um carro roubado, você consegue legalizá-lo? Consegue ficar em dias com a Justiça? Com tráfico de animais, a resposta é a mesma”, foi a explicação dada pelo chefe da fiscalização do Ibama em Pernambuco.

Amaro explicou que, apesar disso, é possível entregar o animal para as autoridades sem nenhuma penalidade.

O crime de tráfico de animais tem pena com detenção de seis meses a um ano e multa, mas se a pessoa decidir buscar o Ibama, Cipoma ou CPRH para entregar o animal, ela não será penalizada, e o animal será direcionado para o órgão responsável.

É possível adquirir um pássaro nativo da fauna brasileira? 
Apesar de ser uma ação amplamente desestimulada, é possível criar uma ave nativa em ambiente doméstico.

Para isso, o tutor precisa ter o selo de criador do Ibama. Segundo o Tenente Filipe Almeida, a pessoa tem que estar muito certa de que quer uma ave nativa para aí sair em busca de formas legais de adquirir esse pet.

A CPRH mantém uma lista de criadores legalizados com os quais a pessoa interessada pode entrar em contato para adquirir uma ave da fauna brasileira dentro da lei.

“A primeira coisa se quiser um pet, um animal silvestre, um passarinho como pet, tem que procurar um criador legalizado. Aí ele (a ave) vai vir com toda a documentação, atestado de origem, vai vir também com anilha, e aí vai estar tudo certinho com nota fiscal e tudo mais”, explicou Filipe. 

Fora desse tipo de aquisição, o animal está vindo de um meio ilegal. Qualquer outro tipo de negociação de aves nativas que não seja dessa forma se caracteriza como tráfico.

Readequação e devolução à natureza

Canários-da-terra, aves nativas, sendo devolvidas à natureza pelo Ibama
Canários-da-terra, aves nativas, sendo devolvidas à natureza pelo Ibama - Ibama

As aves resgatadas do tráfico são encaminhadas para a Agência Estadual de Meio Ambiente, a CPRH. Lá, os animais são devidamente encaminhados para o Centro de Triagem e Reabilitação de Animais Silvestres (Cetras), onde acontece um tratamento para reinserir esse animal na natureza. 

Como cuidar de um pássaro?
Sabendo a procedência do pássaro e que ele não foi vítima de maus-tratos e/ou de tráfico antes de chegar até você, é importante descobrir como se cuida de uma ave. Diferente de gatos e cães, um passarinho demanda outras adaptações e uma rotina completamente diferente. 

Segundo a médica-veterinária Adriana Melo (@adrianamelo_vetselvagens), especialista em animais silvestres, é preciso saber que passarinho irá se adequar à sua rotina antes mesmo de adquiri-lo como pet. 

“Primeiro a pessoa precisa conhecer aquela espécie para saber o mínimo necessário que ela precisa. Quanto de espaço esse animal precisa para se deslocar normalmente e gastar energia para ter a preservação dos instintos dele, tanto seja de observação, seja de caça, respeitar o horário desse animal, dormir conforme o horário do animal. Então, você tem que saber quem é ele, do que ele necessita e se você está em condições de oferecer aquilo para ele. Não adianta você querer ter uma ave, que ela é, sei lá, uma coruja, se você passa a noite toda dormindo e o dia todo trabalhando. Assim você vai obrigar a coruja a estar acordada o dia todo ou quer que ela durma quando você estiver dormindo. Isso vai fazer mal à saúde dela”, explicou a veterinária. 

Nathália Fernandes, analista de marketing, é tutora de uma calopsita. Essa ave pode ser adquirida em pets shops e tem venda liberada por não ser nativa brasileira.

Brincalhonas, sociáveis e dóceis, as calopsitas são aves que criam laços fortes com os humanos com quem convive. O comportamento diurno da avezinha precisa ser levado em consideração na hora de optar por ela. 

Cléo, calopsita de NatháliaCléo, calopsita de Nathália | Foto: Cortesia

“Quando o primeiro raiar do sol aparece, a calopsita já começa a vocalizar. Geralmente, é uma ave que vocaliza muito e vai acordar a casa inteira pela manhã. É preciso que o tutor da ave seja uma pessoa matutina também”, explicou a médica-veterinária Adriana Melo. 

Cléo, um macho que inicialmente ganhou o nome de Cleópatra por uma confusão na hora de identificar o sexo, é a terceira calopsita de Nathália. 

“Ele chegou como fêmea (e o nome dado era Cleópatra). Depois fui achando estranho alguns comportamentos (já que as minhas duas aves anteriores eram fêmeas, percebi a diferença), a vocalização (as calopsitas machos normalmente vocalizam) e o penacho ficando mais alto e cheio. A certeza veio quando ele começou a fazer gestos de acasalamento num brinquedo. Depois veio a confirmação com a veterinária. Cleópatra virou Cleosvaldo, mas sempre foi chamado de Cléo ou Kekeu”, disse a tutora. 

Segundo Nathália, Cléo conhece a vida cotidiana da casa e se adaptou aos momentos de acordar, comer e até trabalhar junto. O pet gosta de responder a barulhos que acontecem ao seu redor e acompanha a tutora quando ela faz home office frequentemente. Além disso, Nathália informou que a calopsita ama ficar fora da gaiola.

A maior parte do dia de Cléo é do lado de fora, em uma residência telada. Apesar disso, a ave dorme segura dentro da gaiola para não se machucar sem supervisão. 

“Por gostar muito de bicho, eu queria ter um pra fazer o melhor que posso como 'mãe de pet'. Voar faz parte da essência da ave, então não queria tirar tanto disso, é claro, que a partir do momento que escolho ter uma ave em casa, já não vou conseguir proporcionar uma vida 'natural', mas a vida doméstica dele vai ser o mais próxima disso possível. Cléo voa dentro de casa, mas nem voa a casa toda (ele tem os cantinhos preferidos). Tem dia que ele anda mais do que voa”, relatou a tutora. 

Nathália e Cléo, em um dia cotidiano
Nathália faz o possível para deixar Cléo solto dentro da residência o máximo possível | Foto: Cortesia

Segundo a veterinária Adriana, soltar o animal em um ambiente seguro, que não permita fugas pela janela, é recomendável desde que tenha alguma supervisão. 

“Não pode soltar a ave na cozinha, por exemplo. Se esse bicho se solta, ele vai cair numa panela com fogo aceso, ele vai pousar em cima de um fogão que ainda está quente, ele vai cair na pia com detergente. Não, não faça isso. Animal solto, ave curiosa tem que ser com alguém perto, olhando. Não adianta você fazer 'ah, eu vou dar um cochilinho e vou deixar ele aqui'. Rapaz, quando tu acordar, a bagaceira vai estar feita. Alguma coisa errada esse bicho vai ter feito”, explicou a veterinária. 

A “bagaceira” à qual a veterinária se refere é a forma que a ave encontra para brincar no ambiente doméstico. É como o pet se distrai durante o dia. Assim como gatos e cães, passarinhos gastam energia durante o dia com diversas atividades. 

“As calopsitas brincam destruindo os brinquedos, então há grandes chances de aparecer algo bicado, roído... Aqui em casa é rack com plástico, sofá com capa, se não, já era tudo. Na hora de comprar/adotar um animal, é imprescindível que você entenda que a casa intacta e super arrumada não vai rolar. Se isso for prioridade na sua vida, não tenha animal em casa”, informou a tutora Nathália. 

Consultas e cuidados médicos
Não é porque a ave no habitat natural não vai ao veterinário que você não vai levar a sua ao médico. Muito pelo contrário, justamente por esse passarinho não estar em seu ambiente nativo é que ele precisa ter sua saúde bem cuidada. 

Antes mesmo de decidir ter uma ave, é preciso ter orientação veterinária sobre quais as necessidades desse pet. Consultas anuais, possíveis exames, emergências e cirurgias devem ser levados em consideração na hora da decisão. 

Segundo Adriana, muitos tutores de aves pensam que quando o animal adoece, é melhor “deixar morrer” que levar para o atendimento veterinário por conta dos custos considerados para procedimentos em um ser tão pequeno. 

“Se você pensa ‘ah, meu Deus, não, mas esse canário não custou nem R$ 40 ali na feira, não vou pagar esse valor numa cirurgia’, então não crie nenhum animal, porque você não está criando pelo amor ao animal. Se você acha que 40 reais paga uma vida, está criando errado. No Brasil, a gente é horrível para isso. Os animais são substituíveis, são descartáveis na realidade, praticamente”, lamentou a veterinária.

Mas se você não é uma dessas pessoas, o cuidado com o passarinho pet tem algumas recomendações sobre o tamanho da gaiola, tempo de sol, alimentação e hidratação, banho, idas ao veterinário e medicação. A veterinária Adriana Melo deu algumas dicas. Confira abaixo.

Espaço
De modo geral, na criação de um pássaro, o tutor deve garantir que a gaiola em que o pet fica tenha pelo menos duas vezes e meia o tamanho da ave com as asas abertas. Isso permite que o passarinho bata as asas sem esbarrar nas laterais. 

Periquito australiano - Foto: Murilo Folgosi /PexelsPeriquito australiano em gaiola que possibilita seu voo curto - Foto: Murilo Folgosi /Pexels

Banho de sol
A prática de banho de sol no animal é incentivada, desde que seja feito antes das 7 horas da manhã e com a possibilidade do animal escolher entre a sombra e o sol.

"Em geral, o banho de sol a gente recomenda no horário mais brando, antes das 7 da manhã. E, mesmo assim, tem dia que 7 horas o sol já está quase cozinhando o nosso juízo. Então seria no máximo de 15 a 20 minutos de exposição ao sol. E olha lá, porque se for o sol do meio-dia, não é para ser 20 minutos. Lembrando que o animal tem que ter a opção de estar na sombra, de escolher se vai pegar sol ou não. Se ele achar que está quente demais, está desesperador, ele vai para a sombra. Mas, se você coloca a jaula inteira no sol, não tem uma casinha, não tem uma cobertura, não tem nada, e esquece ele lá por 25, 30, 40 minutos, ele vai passar muito mal ou morrer”, explicou a veterinária. 

Alimentação e hidratação
Cada espécie de ave precisa de uma alimentação específica. A maioria das aves vendida em pets shops se alimenta de grãos, mas os tutores podem oferecer frutas que fazem parte do habitat daquele animal ou até frutas frescas da estação. 

Um canário-do-reino, por exemplo, pode comer pequenas quantidades de frutas frescas, como banana, maçã, morango, melancia e melão. 

A hidratação do pet deve ser feita com água potável, e o pote de água deve ser trocado todos os dias.

O organismo da ave é mais sensível que o humano, e as variações da composição da água pode causar maiores danos no pet que em uma pessoa. Por isso, a troca de água do pequeno recipiente, geralmente com até 250ml de água, deve ser feita por água potável. 

Higienização
Assim como a lavagem do recipiente de água, a troca de água e da comida, a limpeza da gaiola da ave deve ser feita todos os dias.

“Se você limpa tudo direitinho, tem uma higiene boa e não está  juntando toneladas de cocô de duas semanas. Se você lava as vasilhas todos os dias, a vasilha de água, a vasilha de comida, você não vai precisar estar dando nada além daquilo dali para o animal”.

Idas ao veterinário e medicação
A nutrição adequada e cuidados com a higiene do pet previnem a necessidade de suplementação, de remédios contra parasitas e até evitam doenças futuras. 

Vacinação e vermífugos anuais atualmente são indicados apenas para grandes criações, como granjas de galinhas. 

“Antigamente se tinha uma tradição de dar remédio de verme de seis em seis meses, mas isso não é o correto. Como é que você vai dar um remédio para uma doença que o bicho não tem? Ele é um tipo de veneno para o verme, então, se ele é um tipo de veneno, algum tipo de mal-estar vai causar na ave. Quase sempre é distúrbio de fígado, alguma dorzinha cólica, mal funcionamento do fígado, náusea, que em alguns casos dá vômito em algumas espécies”, explicou. 

Segundo a veterinária, não é orientado suplementar ou medicar a ave sem necessidade. O ideal é fazer exames na ida anual ao profissional veterinário e, se tiver indício de alguma doença, iniciar o tratamento com orientação do médico. 

“Na consulta anual, o veterinário vai solicitar um parasitológico de fezes, ou se houver sintomas antes dessa consulta preventiva anual. Se o bicho está muito tristinho, o cocô dele está esquisito, parecendo literalmente uma diarreia, o tutor deve buscar o veterinário para identificar o problema e realizar a medicação correta”, explicou. 
 

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