Apenas um homem preto, perseguido pela ditadura, está entre os homenageados pela UPE
José Luiz Oliveira estudou na Faculdade de Ciências Médicas da UPE, foi preso e torturado
Único negro entre os 12 nomes da Universidade de Pernambuco perseguidos na época da ditadura civil-militar (1964-1985), o médico e químico José Luiz Oliveira estudou na Faculdade de Ciências Médicas da UPE, e será homenageado, em memória, nesta segunda-feira (25), quando a instituição completa 59 anos.
Oriundo de Garanhuns, no Agreste pernambucano, foi o único entre os sete filhos a entrar na universidade. Em conversas com amigos e parentes dizia ter iniciado o curso superior sem nem saber o que era comunismo, motivo alegado pelos militares para prendê-lo e torturá-lo.
Começou a ser perseguido pelo reitor da faculdade à época porque reivindicava melhorias estruturais, como reparos em salas de aula, que estavam cheias de goteiras e possuíam os chamados quadro-negros desgastados. Criou um diretório central dos estudantes (DCE). "De tanto o perseguirem e o apontarem como um comunista se aprofundou no assunto e descobriu que, sim, também era um", relata a filha única, a educadora social Mariana Souza de Oliveira.
Depois disso, liderou reuniões e, em grupo, traçou estratégias para que todos os brasileiros tivessem seus direitos respeitados. "Passou a não ter mais paz a partir daí. Tenho relatos de alguns que a perseguição ao meu pai era mais severa, mais cruel, justamente por ser um homem preto. O racismo estrutural no qual ainda vivemos agravou a perseguição", registra.
Precisou fugir para Campinas, em São Paulo, na tentativa de escapar da prisão. Não teve jeito. Acabou preso. Nas sessões de tortura teve os tímpanos perfurados e levou choque elétrico nos testículos. "Eu sou fruto de uma vitória. Ele achava que nem poderia ser pai depois de tanta tortura que enfrentou", declara Mariana que perdeu o pai em 1991, aos 9 anos, vítima de um infarto.
Cansaço
Entre ideias que se misturam, Mariana narra que o pai acabou se entregando. Alegou que estava cansado de fugir, de ter tantos pseudônimos, de não poder morar em um só lugar, porque vivia em eterna fuga "Mas fez questão de registrar que não se entregava como bandido nem como herói, mas como um homem que acreditou em tudo o que fez", enfatiza.
Mariana guarda, em lapsos de memória e no coração, a história de um homem que precisou mentir, e mentir várias vezes, para não entregar os companheiros da época da ditadura. "Mentir na tortura é para quem tem muita coragem, como disse a ex-presidente Dilma (Rousseff, também ex-presa e torturada)", comenta.
Registros
Com o fim da ditadura, em 1985, os traumas de José Luiz Oliveira não desapareceram. "As marcas, a dor de tudo o que sofreu eram muito presentes. Ele viveu muito tempo com armas engatilhadas na cabeça, por militares que sorriam e diziam: 'É tua hora, negão'", compreende Mariana, que também é rapper e poeta.
Ela relembra que, independentemente dos traumas, o pai era um homem bom, humanizado, à frente de seu tempo em relação aos ideais que perseguia. "Nunca deixou de ajudar os outros. Ele ia ao Mercado da Madalena e ganhava peixe, carne, frutas porque terminava fazendo consultas médicas lá mesmo para quem não tinha acesso a saúde. Tirava a sandália do pé e dava para quem não tinha", conta em um misto de orgulho e emoção.
"Ele sempre teve esperança de que um dia a igualdade prevalecesse e todos tivessem acesso a coisas básicas da vida, como moradia, educação, saúde, lazer. Hoje me vejo um ser político e meu corpo preto também sente as dores que meu pai sentia, a perseguição que meu pai vivia. Hoje elas são camufladas de outra forma. Mas um corpo preto em movimento, um corpo preto pensante que reivindica direitos será sempre um corpo perseguido", alerta.
Lista dos homenageados
Enildo Galvão Carneiro Pessoa (In memoriam), docente da Escola Politécnica de Pernambuco;
Francisco de Sales Gadelha de Oliveira (In memoriam), estudante da Faculdade de Ciências Médicas;
Ilmar Pontual Peres (In memoriam), estudante da Faculdade de Ciências da Administração de Pernambuco;
Javan Seixas de Paiva (In memoriam), docente da Faculdade de Odontologia de Pernambuco;
José Almino Arraes de Alencar Pinheiro, estudante da Escola Politécnica de Pernambuco;
José Luiz Oliveira (In memoriam), estudante Faculdade de Ciências Médicas;
José Romualdo Filho, estudante da Faculdade de Ciências Médicas;
Maria Zélia de Sousa Levy, estudante da Faculdade de Odontologia de Pernambuco;
Paulo Santos Carneiro, estudante da Faculdade de Ciências Médicas;
Rildege de Acioli Cavalcanti (In memoriam), estudante da Faculdade de Odontologia de Pernambuco;
Rosane Alves Rodrigues (In memoriam), estudante da Faculdade de Medicina de Pernambuco;
Severino Vitorino de Lima, servidor técnico-administrativo da Faculdade de Odontologia de Pernambuco.
O evento é aberto ao público e pode ser acompanhado pelo YouTube da UPE. Clique aqui