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Covid-19 Diabetes e Obesidade

Dr. Francisco Bandeira, MD, PhD.Regente da Disciplina de Endocrinologia da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade de Pernambuco. Chefe da Divisão de Endocrinologia e Diabetes do Hospital Agamenon Magalhães da Secretaria Estadual da Saúde. - Arquivo pessoal

Nos “mercados molhados” (wet markets) existentes nas cidades chinesas, onde se encontram animais exóticos vivos prontos para serem adquiridos, abatidos e consumidos (o que os chineses consideram alimentos frescos e com poderes afrodisíacos), criou-se o ambiente propício a mudança epidemiológica. 

Pela proximidade desses animais (os quais normalmente albergam coronavírus) com seres humanos, foi possível o vírus tornar-se patogênico ao homem dando início a um dos mais desafiadores momentos para a saúde pública global com o enfrentamento da pior pandemia dos últimos 100 anos. 

Muito aprendemos nesses poucos meses e ainda temos muito o que aprender sobre a COVID-19. E nesse sentido, um recente artigo publicado na conceituada revista médica The New England Journal of Medicine, alertou para a importância da “variolização” da pandemia do novo coronavírus. 

Dois estudos verificaram que o uso de máscaras e o distanciamento social podem aumentar o percentual de pacientes com doença assintomática, de cerca de 30 para 90-95%, pela contaminação com cargas virais mínimas. 

De forma semelhante, nos tempos de endemia por varíola, inoculações de pequenas quantidades do vírus faziam com que alguns indivíduos desenvolvessem sintomas leves da doença e, consequentemente, imunidade. 

Quando a pandemia do novo coronavírus foi reconhecida pela OMS, após o surto na China, já identificava-se grupos de risco para o desenvolvimento das formas clínicas graves, as quais se associam a alta mortalidade principalmente quando requer ventilação pulmonar mecânica. 

Seguindo-se ao surto europeu, com início mais contundente na Itália, ficava claro que a idade do paciente era fator preponderante em determinar o curso clínico mais adverso. De fato, os asilos de idosos na Europa, principalmente na Itália, Espanha e Bélgica, países com alta letalidade, foram alvos de extensa contaminação. 

Este fato se repetiu no Brasil com os primeiros casos fatais oriundos de um hospital de idosos em São Paulo. Além disto, a presença de diabetes e hipertensão arterial também aumentava a chance de progressão para formas mais graves da COVID-19, levando a taxas de mortalidade 3 vezes maiores. Por outro lado, naqueles casos fatais, a ocorrência de diabetes saltava de 10-12% para 30%. 

Quando os casos de COVID-19 atingiram e escalaram nos Estados Unidos da América, novos fatores de risco foram identificados, entre eles a obesidade. Por exemplo, nos casos graves com síndrome de angústia respiratória aguda (SAR-CoV2), 41% tinham obesidade e 33%, diabetes. 


Do mesmo modo, pacientes com COVID-19 e obesidade classe 3 (aqueles com índice de massa corpórea maior que 35 kg/m2) apresentavam chances 5 a 9 vezes maiores de internamento em unidade de terapia intensiva e assistência ventilatória pulmonar. Chances essas que são quase 20 vezes maiores naqueles indivíduos que têm excesso da gordura visceral medida por tomografia computadorizada. 

A gordura localizada internamente entre os órgãos abdominais e torácicos, incluindo mesentério, fígado e coração, produz inúmeras substâncias inflamatórias, sendo uma importante fonte de receptores para o novo coronavírus, tais como o ACE2, como também um grande reservatório viral.

 Esses receptores circulam até os pulmões e modificam a sua susceptibilidade a infecção. O vazamento desses receptores das superfícies das células acompanha-se do desencadeamento de uma cascata inflamatória por Ang II (angiotensina II), ADAM 17 (desintegrina e metaloproteinase) e TNF (fator tumoral de necrose) entre outras substâncias, contribuindo assim para a evolução clínica desfavorável. 

A obesidade e o diabetes também associam-se a alterações prejudiciais da microbiota (bactérias que normalmente habitam o nosso corpo) intestinal e pulmonar no sentido de manter o processo inflamatório já que os tipos de bactérias presentes determinam a sua produção dessas substâncias em menor ou maior grau.

A produção exagerada da endotoxina LPS (lipopolisacárides) por essas bactérias pode amplificar a cascata inflamatória e a agressão viral aos pulmões. De fato, altas cargas virais associam-se a maior chance de SAR-Cov-2, mas o ambiente que o vírus encontra no organismo do indivíduo com obesidade também determina o seu processo multiplicativo. 

Algumas medicações utilizadas no tratamento do diabetes e obesidade reduzem preferencialmente a gordura visceral e o processo inflamatório, oferecendo mais uma barreira para a multiplicação viral e disseminação da infecção. 

Destacamos os agonistas do receptor do GLP1 (luraglutida, dulaglutida e semaglutida) e os inibidores do SGLT2 (dapagliflozina, empagliflozina e canagliflozina). Além desses, os inibidores da DPP4 (saxagliptina, sitagliptina, vildagliptina alogliptina e linagliptina) podem reduzir a ligação do coronavírus ao seu receptor.

Francisco Bandeira, MD, PhD. Professor Associado e Livre Docente. Regente da Disciplina de Endocrinologia da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade de Pernambuco. Chefe da Divisão de Endocrinologia e Diabetes do Hospital Agamenon Magalhães da Secretaria Estadual da Saúde.

 

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