Recife Tem Encantos Mil

Por Bráulio Moura, turismólogo, historiador e especialista em História do Nordeste

Festival Comida de Santo, no Sítio Trindade, 2023. - Marcos Pastich/PCR

Em nosso livro, Inpiração Recife além de explorarmos histórias inspiradoras das empresas parceiras, também contamos com a ajuda de profissionais, históriadores e geografos para contar a história da nossa amada cidade. Desfrute agora da parte dois, e ultima do capitulo Recife Tem Encantos Mil, por Bráulio Moura.

Manifestações de fé


Das comidas de santo e das vendidas em festas religiosas, o Recife mostra que também tem manifestações de fé únicas, o que explica a forma de ser dos recifenses e atrai os olhares de devotos, fiéis, peregrinos, romeiros e turistas. A começar pelas igrejas católicas, que estão entre os maiores e mais importantes tesouros artísticos do Brasil e do mundo português. Da pequena Ermida de Santelmo, que viu nascer a vila de pescadores, às grandes basílicas. Ali, nas imediações do Marco Zero, a pequena capela ganhou corpo e se transformou na Igreja de São Frei Pedro Gonçalves, o Corpo Santo, demolida depois em 1913 e transformada em meio-fio. Em seguida, o convento dos franciscanos, que foi usado como quartel e forte pelos holandeses, reerguendo-se numa das maiores glórias barrocas deste país. Na Rua do Imperador, um grande conjunto de azulejos portugueses e raros azulejos flamengos, de Delft, únicos na América. No conjunto que abriga a mais antiga igreja do Recife ainda de pé, está a Capela Dourada da Venerável Ordem Terceira de São Francisco, um êxtase artístico de impressionante unidade de estilo, com paredes e tetos inteiramente cobertos de talhas douradas e painéis de excelente qualidade, apontando ali o poderio econômico e a fé do povo da cidade.

Azulejos holandeses situados no Convento de Santo Antônio do Recife.

Ainda no século XVII, Recife experimentou o culto protestante com a presença holandesa. Assim, no atual centro da cidade, existiu a primeira igreja protestante do Brasil, calvinista, nas imediações da Praça 17. Na mesma época, a capital experimentou também a liberdade de culto. Desse modo, judeus que viviam como cristãos novos e outros judeus que fugiram de Portugal e da Espanha para a Holanda, tiveram a oportunidade de se manifestar livremente, fundando a primeira sinagoga das Américas, com registro dos membros, rabino e mikvê, o poço de purificação. Muitos dos nomes registrados aqui estão sepultados no cemitério judaico de Nova York, para onde foram os “23 de Pernambuco” que ajudaram a fundar a cidade norte-americana.
Com a expulsão dos holandeses, a euforia luso-brasileira aliada à fé católica e ao movimento financeiro da cidade levou a explodir o número de igrejas, fazendo com que só no centro, o Recife tenha aproximadamente 40 igrejas dos estilos barroco, rococó, neoclássico e ecléticas. Ali estão templos de magnitude como a Madre de Deus, a Concatedral de São Pedro dos Clérigos e a Basílica do Carmo, que possui a torre barroca mais alta do país. Andando pelas ruas se vê de vários pontos a cúpula da Basílica da Penha, o templo neorrenascentista de características italianas revela imponência e arte dentro e fora da construção. Nela, está sepultado o poeta barroco Gregório de Matos, o Boca do Inferno, que faleceu no Recife, em 1696. É na Penha também que está sepultado o bispo Dom Vital, pivô da Questão Religiosa, conflito entre Igreja e Maçonaria no final do século XIX.

Basílica da Penha.


No Pátio do Carmo, onde se realiza a festa da padroeira do Recife, ficou exposta a cabeça de Zumbi dos Palmares quando o quilombo foi derrotado, e é nele que acontece o encerramento da Caminhada dos Povos de Terreiro, em novembro, como abertura das celebrações do mês da Consciência Negra na cidade. Entre as talhas extasiantes da Igreja de Nossa Senhora da Conceição dos Militares, registrada por Germain Bazin como a “Sistina do Rococó”, e a Matriz de Santo Antônio, o sincretismo religioso se faz presente com a Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos e suas vizinhas. Nela, as confrarias e irmandades de pretos cultuavam também seus orixás associados aos santos católicos e criaram formas únicas no Recife de festejar as divindades africanas. Por aqui, diferente do resto do país, Oxum, orixá das águas doces, cachoeiras, do ouro e do amor, é associada à Nossa Senhora do Carmo, celebrada nos terreiros em julho. Já Iemanjá, festejada na maior parte do Brasil em fevereiro, é celebrada aqui em dezembro, na mesma data de Nossa Senhora da Conceição, enchendo as praias no dia 08 de dezembro.


Santuário do Morro da Conceição.
Detalhe da festa do Morro da Conceição.


Nossa Senhora da Conceição, inclusive, ocupa lugar especial no coração do recifense. De tal modo que é chamada carinhosamente de “Ceça” ou de “Cecinha” e tem uma das maiores, talvez a maior, festa religiosa de Pernambuco, no Morro da Conceição, na Zona Norte da cidade. Ali, onde se encontram bares, restaurantes, terreiros de candomblé, escolas de samba, quadrilhas juninas e grupos de samba, tudo gira em torno do santuário e da imagem, que veio da França. De tão querida, foi adotada como madrinha ou padroeira afetiva da cidade, tornando feriado municipal o seu dia. É dedicado à Iemanjá também o terreiro de candomblé mais antigo de Pernambuco, o Ilé Obá Ogunté (Sítio de Pai Adão), de tradição nagô e que abre, oficialmente, a celebração da orixá dos mares e oceanos em Pernambuco, no final de novembro. Hoje, com visitas turísticas organizadas, é possível conhecer o cotidiano da comunidade religiosa, o seu barracão, as árvores sagradas e a curiosa Capela de Santa Inês, construída durante a perseguição aos terreiros no começo do século XX para minimizar as invasões policiais.

Sítio de Pai Adão, o Terreiro de Candomblé mais antigo de Pernambuco, fundado em 1875.
Do sincretismo religioso nas confrarias de pretos, ganhou o Recife não só as preciosas imagens de santos negros, como São Benedito, Santo Elesbão, São Moisés Anacoreta ou ainda o Santo Antônio de Catageró, mas também os maracatus nação. Das coroações de reis e rainhas dentro das igrejas do Rosário, nasceu uma das mais belas e autênticas manifestações da cultura pernambucana. Os maracatus ganharam a rua e assumiram sua matriz africana, mantendo, no entanto, em seus cortejos, a formação de uma procissão católica. A força dos tambores ecoa o som dos trovões e a memória ancestral africana. A dança dos orixás, os símbolos das nações desfilando à frente e as rainhas com seus cetros e soberania no carnaval: Dona Santa, Dona Madalena, Dona Elda, Dona Marivalda, Dona Ivanize de Xangô. “Nagô, nagô, nossa rainha já se coroou!”. 
Dona Marivalda, homenageada do Carnaval do Recife 2023.

Com suas cortes, as nações desfilam o orgulho de suas origens, suas devoções, ancestralidades e a força de uma cultura. Foi com os maracatus que Naná Vasconcelos abriu por anos o Carnaval do Recife, na Praça do Marco Zero, comandando 500 batuqueiros que ali esqueciam suas diferenças e rivalidades ao tocar sob a batuta de um grande mestre na maior folia do mundo. Suas histórias contam a história da cidade, na tradição que desfila na folia com nações de 1800, como a Nação Elefante, e outras que transitam entre a capital e cidades vizinhas, como o Leão Coroado, de 1863; o Estrela Brilhante de Igarassu, de 1824; o Estrela Brilhante do Recife, de 1906; o Almirante do Forte, de 1931; e o Porto Rico do Pina, de 1916. Das nações seculares nasceram outros que avivam o Carnaval e a cultura pernambucana, como Encanto do Pina, Encanto da Alegria, Cambinda Estrela, Nação Erê, Nação de Oxalá, Axé da Lua, Gato Preto, Nação Tigre, Nação de Luanda, Tambores de África, A Cabra Alada e outros tantos que vão também servir de inspiração para as batidas do manguebeat.

Revolução musical


É o movimento mangue que será a maior revolução musical do Brasil depois da Tropicália, um frescor na música brasileira, que planta sementes por todo o país. Da vegetação típica da cidade, dos animais do mangue e dos moradores das palafitas, o manifesto mangue surgiu na década de 1990 como denúncia para as disparidades sociais, a devastação dos manguezais e a luta por igualdade social. Dali, artistas como Chico Science e Nação Zumbi, Fred Zero Quatro e outros deram ao Brasil e ao mundo músicas com referências aos ritmos locais antenadas com elementos internacionais. O maracatu, o coco e a ciranda ganharam espaço e voz aliados ao rock, ao punk, ao hip-hop e ao funk. Junto ao Manguebeat, uma música que falava do Recife para o mundo, artistas antes restritos às comunidades de periferia ou esquecidos ganham os palcos junto a um elevado sentimento de orgulho e ufanismo denominado “pernambucanidade”: Dona Selma do Coco, Aurinha do Coco, Mestre Salustiano, Lia de Itamaracá, maracatus rurais, forrós rabecados e uma série de grupos percussivos entram em cena para valorizar as tradições locais, atravessando todas as classes sociais.

 Detalhe do Memorial Chico Science, Pátio de São Pedro. Detalhe do Memorial Chico Science, Pátio de São Pedro. 

Com a transversalidade de ritmos, o Carnaval ganhou elementos de outros ciclos festivos e a capital viu surgir uma festa que abraçava tudo dentro do seu estado democrático de folia momesca. O Carnaval do Recife tem como marca maior a liberdade dos foliões, dos brincantes, das agremiações e a infinidade de tipos de manifestações de tradição popular: la ursas, caboclinhos, bois, afoxés, maracatus nação, maracatus rurais, clubes de bonecos, escolas de samba, troças, clubes e o rei de toda a festa: o frevo!


Boi Mimoso no Pátio de São Pedro.


Um lugar que criou o bolo de rolo, o cobogó e o bolo de noiva não podia deixar de ser também um centro criativo de música e dança. Nas ruas do Recife nasceu o frevo, na virada do século XIX para o XX, um ritmo que toma o corpo, entra na cabeça e acaba no pé, que não se pressente chegar, apenas arrasta a multidão sem convites ou formalidades. Da música inebriante veio a dança, que, com passos espaçosos e de certa violência e força, garante o espaço individual do passista no meio da multidão. Não exige coreografias ensaiadas e repetidas em grupo, são passos criados, recriados e refeitos a cada instante, no caldeirão “frevente das ruas”. Elevado a Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade em 2012, o frevo tem um museu e centro de salvaguarda dedicado a ele no Recife Antigo e revelou grandes talentos entre maestros e compositores, como Luiz Bandeira, Capiba, Ademir Araújo, Antônio Constantino, Lídio Macacão, Nelson Ferreira, Levino Ferreira, irmãos Valença, Samuel Valente, Spok, Maestro Forró e tantos outros. Frevos de rua e frevos-canção imortalizados com intérpretes como Claudionor Germano, Alceu Valença, Lenine, Nena Queiroga, Gustavo Travassos, Almir Rouche e tantas vozes que dão vida a músicas que nunca envelhecem, inspirando novos artistas com frevos jovens, como os de Flaira Ferro e PC Silva.
“Belo é o Recife pegando fogo na pisada do maracatu”, canta a música “Festa”, de Luiz Gonzaga, e isso é a cara da cidade, um lugar festivo de Carnaval grandioso que dura meses, que mergulha nas celebrações sacras da Semana Santa com teatros ao ar livre e comidas ao molho de coco, de festivais que se entrelaçam nos dias com cinema, teatro, dança, gastronomia e o São João. Quem é do Recife sabe, mas quem é de fora se espanta. A cidade tem São João, e dos bons! Concurso de quadrilhas, shows de forró, cidades cenográficas e muito milho espalhado nas feiras e mercados para servir de matéria-prima aos pratos da época: canjica, bolo de milho, pamonha doce e pamonha salgada, milho cozido, milho assado. O endereço oficial da festa é o Sítio Trindade, mas em cada bairro é possível encontrar bandeirinhas, grupos reunidos nas calçadas, ladeados por comidas típicas e arraiais comunitários. 


Quadrilha junina no São João do Recife.


A cidade também é rica em tradições natalinas, com luzes que enfeitam a cidade anunciando a festa e os costumes populares: bois, cavalos-marinhos, reisados e pastoris que saem pelas ruas de bairros como Brasília Teimosa, Água Fria e Bomba do Hemetério. Dos pastoris veio a inspiração para uma outra manifestação das mais lindas que se tem por aqui, os blocos líricos. Para o Recife, bloco (nada de bloquinho) é um grupo carnavalesco composto por uma orquestra de pau e corda e coral feminino. Os demais são troças ou clubes de frevo. O Galo da Madrugada, inclusive, registrado no livro dos recordes como o maior bloco de Carnaval do mundo, é um clube de máscaras. Os blocos líricos fazem desfiles e acertos de marcha concorridos, sendo mais um desses tesouros exclusivos de Pernambuco. Representando o gênero, há agremiações tradicionais como o Bloco das Flores, Pierrots de São José, Batutas de São José, Bloco da Saudade, Cordas e Retalhos, Flor da Lira e dezenas de outros que surgem a cada ano.

Reisado Guerreiro Sol Nascente e Boi Faceiro durante o ciclo natalino, 2022.

Cinema e literatura


No que diz respeito à Sétima Arte, o Recife é também um grande centro de produção e gravação de cinema. A cidade já foi cenário de muitos filmes, e dela saíram grandes nomes da cinematografia brasileira, como Kléber Mendonça Filho e Gabriel Mascaro.
De terra rica em compositores, o Recife é também campo fértil de escritores, poetas e artistas, de quem nasceu ou bebeu de suas águas, tal qual Clarice Lispector, que aportou na cidade ainda recém-nascida e aprendeu aqui suas primeiras letras, no Ginásio Pernambucano, escola pública mais antiga do Brasil em funcionamento, de 1825. Por aqui pegou gosto pela leitura, pela arte, pela vida. Guardou para sempre na memória o Carnaval da Rua da Imperatriz e os banhos de mar na cidade vizinha de Olinda. Ainda adolescente, chegou também Ariano Suassuna para viver na cidade até a sua morte. Apaixonado torcedor do Sport Club do Recife, deu glórias à literatura brasileira e ao teatro nacional com as obras “Auto da Compadecida” e o “Romance d’A Pedra do Reino”. Chegou a ser secretário de Cultura do Estado e fundou até um teatro na cidade, o Arraial, na Rua da Aurora, onde está imortalizado com uma escultura do Circuito da Poesia.


Ariano Suassuna, escultura do Circuito da Poesia do Recife.


É do Recife também o autor do poema modernista “Os sapos”, que abriu a Semana de Arte Moderna de 1922. Manuel Bandeira, que ia embora para Pasárgada, exaltou a cidade na sua “Evocação do Recife” e tem também estátua, busto e centro cultural na Rua da União, ali onde foi a casa de seu avô, de um “Recife brasileiro”. E há estátuas diversas de escritores que tiveram a cidade como cenário ou inspiração: João Cabral de Melo Neto, que olha para o seu “Cão sem plumas”, o Capibaribe que corta a cidade. Ainda, nomes como Ascenso Ferreira; Solano Trindade; Carlos Pena Filho, o poeta do azul; Mauro Mota; Celina de Holanda Cavalcanti; Janice Japiassu; ou, além do mais, aquele que tanto favoreceu a leitura e o comércio de livros com a sua megalivraria Livro Sete, Tarcísio Pereira. Do Recife, temos ainda Paulo Freire, Josué de Castro, Tânia Bacelar, Fátima Quintas, Amaro Quintas, Rubem Franca, Nelson Rodrigues, Gilberto Freyre, Waldemar Valente, Mário Melo, Miró da Muribeca, Liêdo Maranhão e tantos outros.

Cantores, compositores e teatros

Teatro de Santa Isabel.
Também lugar de cantores, compositores e artistas, foi berço ou deu passagem a personalidades como Capiba, Antônio Maria, Luiz Gonzaga, Chico Science, Geninha da Rosa Borges, Reginaldo Rossi, Lenine, Nascimento do Passo, Antônio Nóbrega e fenômenos recentes da música contemporânea, especialmente com o brega e o brega funk, que se tornaram também patrimônio cultural da cidade.
O Recife ainda possui o Teatro de Santa Isabel, nobre palco das artes cênicas, cuja arquitetura e decoração fazem dele um dos mais bonitos e importantes do Brasil. Além dos grandes espetáculos e óperas, no seu palco discursaram Joaquim Nabuco e Castro Alves, pela abolição da escravatura e em cuja entrada está gravada numa placa a frase de Nabuco: “Aqui nós ganhamos a causa da Abolição”.

Grandes nomes do Recife


Monumento de Francisco Brennand aos heróis da Batalha dos Guararapes.
Também terra de heróis da história, a cidade sempre esteve em destaque na formação do Brasil em defesa do território, da liberdade, da igualdade e na luta contra a tirania e as injustiças. Por essas bandas, tivemos a primeira mulher a governar um território no Brasil, Dona Brites de Albuquerque, além de figuras que transitavam entre o mundo holandês e o luso-brasileiro, como Henrique Dias, Felipe Camarão, Fernandes Vieira e Maurício de Nassau com o seu sonho de cidade. Do chão do Recife, brotaram Frei Caneca, Padre Roma, Abreu e Lima, José de Barros Lima (o Leão Coroado), Nunes Machado, José Mariano e Dona Olegária. Malunguinho e a resistência nas matas do Quilombo do Catucá, Demócrito de Souza Filho, Gregório Bezerra e Badia, a grande dama do Carnaval, criadora da Noite dos Tambores Silenciosos junto ao jornalista Paulo Viana. Lembremos, ainda, de Joana Batista, que compôs, junto a Matias da Rocha, o frevo mais famoso do mundo, a “Marcha número um do Vassourinhas”, ou simplesmente “Vassourinhas”, aquele frevo que anima multidões há mais de 100 anos e até hoje é usado para “esquentar” os bailes e arrastões de Carnaval.
E é esse o Recife registrado pelas lentes da cineasta Kátia Mezel, com suas sagas de judeus ou da cidade de dentro para fora, que se espalha por uma cidade única. É o Recife dos atentados poéticos de Jomard Muniz de Brito e das poesias em muros, dos escritos, rabiscos e pichações de anônimos e dos grafites e megamurais de Manoel Quitério, Bozó Bacamarte, Ranne Skull, Nathê Ferreira, Fany Lima, Véio e das palavras gentis de Rafa Mattos. A capital de onde Cícero Dias viu o mundo começar e deu de presente o desenho da Praça do Marco Zero, bem perto do lugar em que teve seu ateliê, na Avenida Martins de Barros. O Recife dos maracatus, canaviais e figuras geométricas pintadas por Lula Cardoso Ayres. Recife de Vicente do Rego Monteiro. Recife de Francisco Brennand, que, de uma velha fábrica de telhas e tijolos, criou um mundo novo em meio a uma mata regenerada a partir de uma plantação de cana-de-açúcar no bairro da Várzea. Lá, a cidade fica para trás e, no silêncio da floresta, o gênio artista manifestava sua arte e o seu ser recifense em esculturas, painéis, murais, pinturas e santuários, margeados pelo sempre presente e poderoso Capibaribe.

Oficina Francisco Brennand.
O Recife de Ricardo Brennand, que deu à cidade, ao Brasil e ao mundo uma das mais preciosas coleções de arte que um ser vivente pode apreciar. Ali, na Zona Oeste, naquele bairro que tem aconchego de cidade de interior com as suas igrejas, gente nas calçadas, comércio, padarias e até festival de inverno.

Recife multicultural

 Vista do Morro da Conceição.


Recife do Sertãozinho de Caxangá, onde Manuel Bandeira tomava banho de rio, Recife de Dois Irmãos, com o seu antigo zoológico, hoje BioParque, Sítio dos Pintos. Universidade Rural, Açude do Prata com o fantasma de Branca Dias protegendo seu tesouro… Recife das assombrações: A Perna Cabeluda, O Boca de Ouro, A Cruz do Patrão, O Enforcado do Beco do Marisco, A Debutante do Mamam, Praça Chora Menino, Emparedada da Rua Nova, Galega de Santo Amaro, Velhinha da Caxangá e centenas de aparições que fazem da cidade a capital nacional, quiçá internacional, das assombrações.
Recife de gente que se reinventa, se recria e não perde suas referências. Recife da Chef Negralinda, que, de pescadora de sururu e marisco, comanda um bistrô no seu bairro de origem e lidera um movimento de mulheres empreendedoras na Ilha de Deus e Imbiribeira. Recife da Macaxeira, do Burity, da Guabiraba, morros e matas. Recife do Vasco da Gama, Brejo, Nova Descoberta e inesperadas fontes de água mineral. Recife do Alto José Bonifácio e da Linha do Tiro, com a sua pitoresca história de exercícios militares, cafés e charque de cupim. Recife de Beberibe, bairro que assistiu à Independência do Brasil começar por aqui. Recife de Água Fria, sua feira colorida e do Sítio de Pai Adão, Caboclinhos Sete Flexas, Canindés e Gigantes do Samba. Do Alto José do Pinho, Casa Amarela, Casa Forte de Mamelucos, Poço da Panela, Jaqueira, Graças, Campina do Barreto. De Chão de Estrelas, Hipódromo, Campo Grande, Chié, Santo Amaro, Espinheiro e Derby. 
Recife do futebol: do maior campeonato de futebol de várzea do mundo e dos três maiores amores da capital — Santa Cruz, Náutico e Sport. Recife dos clubes de dança, guarachas, cubanas e frevos: Clube das Pás, Lenhadores, Bela Vista, Bonsucesso, Acadêmicos, Abanadores e Madeira do Rosarinho. 
Recife do cheiro e do gosto do araçá, do tamarindo, do mel de engenho. Recife da Mustardinha, da Mangueira, Areias, Estância, Ibura, Jordão e de aviões cruzando os céus em todas as direções. Recife do Ignez Andreazza, de Setúbal e dos sons ao redor, Recife do Pina de “Aquarius” e do Bode, do Encanta Moça, Encanto do Pina, Frei Damião, Via Mangue e Brasília Teimosa. Recife do Buraco da Véia, da colônia de pescadores e sua procissão marítima. Recife de Boa Viagem de domingos de tardes azuis. De Afogados, São José, Santo Antônio, Boa Vista, Soledade. Recife da arte da Iputinga, do Cordeiro, San Martin, Madalena, Torre, Tamarineira.
 

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