A importância da genética no tratamento do câncer
A oncologia moderna exige uma avaliação abrangente do paciente, incluindo a coleta de informações clínicas, laboratoriais, radiológicas, histopatológicas e, mais recentemente, genéticas. Sabe-se hoje que cada tumor é único, e que ter a informação sobre a estrutura genética daquele tumor, naquele paciente, é de suma importância para determinar o tratamento potencialmente mais eficaz. Para uma grande parte dos cânceres, a era de quimioterapia igual para todo mundo ficou pra trás. Fazer o tratamento certo, no tempo certo, pra pessoa certa, é o que chamamos de Medicina Personalizada.
Nos tumores de pulmão, por exemplo, recomenda-se o estudo de pelo menos 8 genes diferentes, no material de biópsia do tumor. Ter mutação em um gene chamado EGFR indica que o tumor pode responder a uma categoria de drogas chamada inibidores de tirosina-quinase, como gefitinibe e erlotinibe. Já apresentar alterações em outro gene, chamado ALK, indica o uso de remédios como o crizotinibe. Em tumores de intestino com metástase, não se planeja o tratamento sem antes saber se há mutação nos genes NRAS ou KRAS. Nos melanomas, a decisão é tomada após o estudo do gene BRAF. E a lista dos chamados alvos moleculares e suas drogas correspondentes só cresce.
Esses medicamentos especiais para tratamento do câncer, baseados nas alterações genéticas, são muitas vezes bem mais eficazes que a quimioterapia tradicional, tem menos efeitos colaterais graves e podem ser usados até por via oral, não necessitando de punção venosa. Claro que há variações e especificidades para cada droga, bem conhecidas dos profissionais que fazem uso desses remédios.
Além da definição da terapia, a genética também pode ser usada para entender a causa do tumor. Cerca de 10% das mulheres com câncer de mama, por exemplo, nascem com alterações de DNA que as deixam muito mais susceptíveis a esse e outros tipos de tumor do que a população geral. Mulheres com mutação no gene BRCA1, como Angelina Jolie, tem uma chance de até 80% de ter um câncer de mama durante sua vida, em contraste com cerca de 10% de chance para uma mulher sem a mutação.
Fazer o estudo e saber do risco genético precocemente pode mudar radicalmente a forma como a mulher faz a prevenção do câncer de mama. Nos casos de alteração nos genes BRCA1 ou BRCA2, a mulher começa a fazer consultas de rotina com o mastologista aos 18 anos, e começa a fazer ressonância magnética das mamas anualmente aos 25 anos de idade. Aos 30, inicia-se a mamografia anual, além da ressonância, entre outras medidas especiais. Esse seguimento intensivo ou a realização de cirurgias para redução do risco de câncer sabidamente reduzem a mortalidade dessas pacientes.
Em suma, a genética está hoje intimamente ligada à oncologia, trazendo claros benefícios para o paciente. Deixamos para trás o tempo de aplicar cegamente a mesma terapia para todos e ver quem responde ou não. Pra nossa felicidade, a era da Medicina Personalizada chegou.
*Natural de Arcoverde, interior de Pernambuco, João Bosco de Oliveira Filho é médico-cientista com mais de 15 anos de experiência em genética e imunologia, formado em medicina pela Universidade de Pernambuco (UPE). Fez residência em clínica médica pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e especialização e pós-doutorado em imunologia clínica e laboratorial pelo National Institutes of Health, nos EUA. Também tem doutorado em patologia clínica pela Universidade de São Paulo (USP) e Ph.D. em imunologia experimental pela Universidade de Amsterdã. Foi ainda codiretor do setor de Genética e Imunologia do departamento de medicina laboratorial do National Institutes of Health, nos EUA. Tem vasta experiência no uso das novas tecnologias de sequenciamento genético para uso diagnóstico e para a descoberta das causas genéticas das doenças raras e hereditárias. Em 2013, fundou no Recife um dos laboratórios pioneiros na área de genética de alta complexidade no Brasil, a Genomika Diagnósticos, hoje Laboratório Genomika-Einstein, com unidades em vários estados brasileiros.