30 Anos de Sustentabilidade Monetária (2)
O Êxito Técnico de uma Política Econômica Construída pela Habilidade na Engenharia Política
O fato histórico do que posso tratar aqui como economia do setor público, costuma ter um viés inexplicável. É que na hora de por sobre a mesa as discussões sobre o real interesse público de medidas econômicas mais rígidas e impopulares, a reação da classe política, em geral, não costuma dar o devido respaldo à equipe técnica. Mesmo que o objeto em questão seja um processo inflacionario descontrolado. Ou seja, a essência que está por trás da história de se construir planos e executar políticas econômicas, quase sempre se vê afetada pelo que interessa aos partidos da base governamental. E, até mesmo, por intenções paroquiais de políticos, sem a noção do que seja a dimensão da natureza pública.
Um bom exemplo de experiências frustrantes pode ser resgatado lá atrás, no ano de 1986, quando o Plano Cruzado foi adotado para conter a explosão da inflação, vivida naquela ocasião. À parte qualquer crítica técnica com relação aos pilares conceituais do que propunha o Cruzado, a verdade é que o contexto da política econômica formulada considerava o congelamento de preços um vetor de aplicação provisória.
Infelizmente, o tempo de tolerância daquela iniciativa, de manter os preços sob efeito de um tabelamento arriscado, com a mera intenção de arrefecer a memória inflacionária, foi atropelado por um vetor contrário, traduzido pelo interesse político-eleitoral de não permitir qualquer ajuste no nível de preços. Assim, a consagradora vitória eleitoral do governo e seus aliados, em 1986, deu-se por conta de um represamento dos preços. O sucesso político foi momentâneo, construído por um revés que só fragilizou o lado técnico dessa história. E o vetor resultante disso? A inevitável perda de controle da inflação.
Com tal nível de percepção e dado esse ensinamento histórico, o desafio seguinte foi uma nova rodada de combate à inflação. Dessa vez, impunha-se uma oportunidade, na qual continuar no erro não seria uma aposta defensável e competente.
O país se recuperava de um processo político de impeachment, a economia tinha retomado o galope de inflação e ainda contava com um Presidente que, por mais interessado num ajuste econômico prioritário, tinha lampejos de um velho populismo convencional.
Assim, mais do que a carência pela elaboração de uma proposta técnica consistente e vitoriosa, a economia brasileira necessitava de um compromisso político, que fosse desalinhado com os espasmos populistas. O desafio maior seria encontrar quem pudesse exercer a missão com uma retaguarda técnica incontestável e que, paralelo a isso, pudesse ser hábil em duas frentes políticas. Uma, para impor seu respeito diante de um Congresso quase sempre desinteressado pelas grandes causas públicas. Outra, pela carência de alguém que pudesse ter o poder do convencimento sobre um Presidente, emocionalmente, instável.
Quero crer que a escolha do seu quarto Ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, não significou a certeza de que dele poderia advir uma mudança tão estrutural, como referência. De fato o que movia o Presidente Itamar era o imediatismo, algo de expressão conjuntural, que pudesse trazer uma inversão rápida do quadro inflacionário.
Não duvido que o Chefe de Governo imaginasse, naquela circunstância adversa, que outro congelamento geral de preços fosse a solução palpável. No entanto, ter FHC como seu Ministro fez parecer que esse fato proporcionou a ele, contar com um auxiliar capaz de mobilizar um grupo técnico de excelência acadêmica. Ao mesmo tempo, a participação de FHC no governo teve lá seus efeitos entre os pares do Congresso, numa articulação capaz de se traduzir em credibilidade, para avançar na política econômica projetada pelo o grupo técnico convocado.
O significado e o tamanho desse ofício comum entre a composição técnica do grupo formulador e a aceitação da base do governo entre o Executivo e o Legislativo foi marcante. Um gesto que mudou o roteiro histórico e ajudou a construir a mais clara transformação estrutural vivida pela economia brasileira, no século passado.
O Presidente FHC teve muito por comemorar nesses seus 93 anos. A estabilidade conquistada nos 30 anos do Real é uma referência. Vale todo mérito pela conquista e toda reverência pelo sucesso. Justo diante da contribuição dada à mudança de rumo, que o Plano Real foi capaz de estabelecer para nossa História.