A economia fez seus heróis da resistência
Ao ver esse ano crítico e desafiador em fase de conclusão é meritório se extrair dele algumas lições econômicas. Fugirei do viés macroeconômico, sobretudo, no reconhecimento de algo tão marcante que suscitaria avaliação imediata de quaisquer analistas. Nesse sentido, a gravidade e extensão de uma crise quadridimensional como essa mostrou que não houve ortodoxia liberal que resistisse a uma dose keynesiana de intenção anti-cíclica. Que valha aqui a minha conhecida postura de entender o sentido do pensamento econômico para cada situação. Tudo pelo que chamo de ponderalismo pragmático. Na dose certa e sem fanatismos.
No entanto, o que julgo pertinente agora tem expressão microeconômica, porque esteve ao alcance dos agentes, sejam eles consumidores ou produtores. Diante do turbilhão provocado pela soberba da crise, as respostas desses agentes, na forma de adaptação às suas realidades, traduziram-se por iniciativas que os fizeram verdadeiros 'heróis da resistência".
Do lado da demanda, o perfil de consumo mudou e se tornou mais soberano, sobretudo, em áreas onde essa primazia pelo poder de escolha ainda se via afetada pelos ditames da oferta ou de influenciadores adjacentes. O comodismo de comprar pelo e-commerce e as decisões pelo consumo de entretenimento são bons exemplos de mudanças de hábitos que, certamente, trarão à baila uma outra realidade no pós-pandemia. Ter a liberdade de escolher o que comprar, onde, como e de que forma sem estar sujeito às pressões de quem oferece os produtos representa um avanço, no que chamo aqui de soberania do consumidor.
Por outro lado, pelas lentes de produção, o que se viu foi a consagração de um processo de reinvenção como prova de sobrevivência, algo que valorizou o instinto empreendedor. A fórmula para isso passou pela capacidade de inovar, muito favorecida pelo reconhecimento e uso de instrumentos como a criatividade e a tecnologia, conforme o grau de acesso. Foram fartos os exemplos exitosos da readaptação dos negócios às novas circunstâncias, ditadas pela multicrise que ainda se vivencia. Se a transformação digital nas empresas já era fato, durante a pandemia ela se tornou irreversivel. Evidente que não irá ocorrer mudanças radicais plenas. Mas, é certo que haverá uma nova cultura FIGITAL (um neologismo que explica o misto entre o físico e i digital) posta nos mercados. Razão pela qual tenderá a perder competitividade quem não assimilar o recurso à inovação. Pela criatividade e/ou tecnologia.
Por fim, como ensinamentos naturais da crise, por mais que se tenham os recalcitrantes, a essência solidária que se extrai dessa grave crise, certamente trará revisões comportamentais nos atos da demanda e da oferta de bens e serviços. O desejo por um mundo mais sustentável foi intensificado e isso provocará efeitos reais sobre os mercados.
2021 será o marco inicial de uma nova era. A conferir.
CUIDADADO, ESPERANÇA E FELICIDADE > Desde agosto, em plena pandemia, quando aceitei fazer essa coluna, minha intenção pelo equilíbrio dos argumentos, por mais frias que fossem as análises econômicas, foram pautadas pelo trinômio cuidado, esperança e felicidade. Os efeitos da maior crise sanitária sobre os rumos da economia trouxeram essa sensibilidade. Além de agradecer à Folha por essa oportunidade, renovo o reforço da dimensão desse trinômio para todos os leitores. Nesse sentido, vale abusar no cuidado, na esperança e na felicidade. Que 2021 seja diferente. Para melhor.