A Eleição Acena e a Equipe Econômica Encena, Mas a Tática Parece Obscena.
Tomara que não. Quero me antecipar e dizer que essa titulação acima pode ser apenas um mero efeito retórico. Como respeito a algo necessário posso ser impreciso e daí admitir essa falha entre tantas que já cometi. Contudo, a força da desconfiança me leva a acatar o contrário, a ponto de propor esse título. Mesmo que o ponha sobre o rigor da dúvida.
Feita tal ressalva, quero logo dizer que me refiro à proposição do segundo ato de uma reforma tributária que, protagonizada pela equipe econômica, ainda não conseguiu consagrá-la da forma que foi tão propalada. Contradições e dúvidas pairam no ar.
Assim, mesmo na letargia em que se encontra o primeiro ato (que encenou uma proposta de mudança no PIS/COFINS), neste segundo recém-encaminhado ao Congresso, investiu-se numa revisão geral do Imposto de Renda (IR). Só que as mudanças sugeridas têm sido pautadas por opiniões contraditórias, expressas até por quem esteve atuante nos gabinetes do Ministério da Economia. Bem ou mal elaborada, se ela reforma ou deforma o complexo sistema tributário nacional, o certo é que o velho senhor da razão haverá de dar sua sentença. Que o tempo exerça a força da sua palavra, enquanto "inventivo compositor do destino", como diria Caetano.
E haja tempo, diante de tantos impasses em torno da reforma e do que foi agora apresentado para mudar no IR. Contando com as PEC 45 e 110, são quatro os projetos que trafegam nos ares do Parlamento. Por tanto tempo desperdiçado, também me reservo da mera condição de me por em conflito ante uma reflexão que se mostre mais acurada. E explico o porquê: embora defenda uma reforma simplificadora, socialmente justa e capaz de promover o investimento real, preciso entender que na essência do que foi encaminhado ao Congresso, pode pairar no ar algo além que os clássicos aviões de carreira.
No campo do contraditório, há três "cepas de um mesmo vírus", considerada essa inércia da operação política como algo contagiante, que impede os avanços necessários à saúde fiscal. Por um lado, assiste-se ao ex-secretário Paulo Uebel tratar a proposta como uma "deforma tributária", por entendê-la como "contrária à simplificação do sistema, ao excesso de poderes da Receita e à redução geral da carga tributária, no médio e longo prazos". Do outro lado, o "inacreditável" apoio do SINDFISCO, por enxergá-la apenas pelas lentes da inédita taxação dos lucros, com a promessa de daí se fazer a necessária justiça social. Por fim, na via intermediária das contradições, uma visão crítica de parte do empresariado, que projeta uma conta desbalanceada entre uma desejada redução da alíquota do IR e uma elevada taxação sobre os dividendos.
Nenhuma reforma é fato logo consumado. O nó do "pacote" das questões nacionais não desata de modo ágil como parece. Nesse sentido, o caminho que leva à simplificação tributária do modelo fiscal brasileiro repete a velha trilha pedregosa que leva à complexidade atávica daquelas questões nacionais. Creio que a atual proposta esteja até numa trilha acessível e adequada, porém há pedras no caminho, conforme o exemplo das faixas de isenção e de algumas alíquotas. Isso sempre acontece quando eventuais excessos apontam para intenções questionáveis.
Reservo-me as dúvidas: qual o sentido real da intenção dessa proposta? Até onde ela pode estar afinada? Se não a um plano gestor, que seja ao ideário da equipe. Afinal, mesmo que tenha sido o esforço derivado de tudo que se espera desse tipo de reforma, entre perdas e ganhos fiscais são R$ 6 bilhões de saldo, para os próximos 3 anos. Cerca de R$ 2,5 bilhões são justamente para o ano eleitoral de 2022. Na intenção que seja da ampliação do programa social originado pela pandemia, ou mesmo, com a cara de um "bolsa família repaginado".
A intenção parece clara. Talvez obscena, numa perspectiva populista e por ser diferente do pensamento econômico da equipe. Como nada é eterno, que nos valha viver a divina comédia humana. Com as licenças originais de Dante e Belchior.