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A Fábula Política Que Explica Como a Crise da Energia Restaura a Inflação

Os simpáticos répteis quelônios (tartarugas e jabutis são exemplos) costumam ser lembrados pela resistente carapaça e pela lerdeza no deslocar. A típica morfologia desses seres tão característicos forjou uma nova fábula, entre outras construídas pela literatura ou pela sabedoria popular. Em particular, a política brasileira nos brinda com uma delas, sobretudo, quando o assunto tem sido algum meio de se driblar o interesse público.

 

Assim, reporto-me às fábulas como ilustração. De um exemplo político construído em cima da expressão "jabuti não sobe em árvores", extraio algum sentido para entender a retomada recente da inflação. Um expediente em parte explicado por um antigo erro estratégico: a falta de disposição para o planejamento e investimento públicos na infraestrutura. Seja pelo uso racional da água, como pelo atraso de se rever uma matriz energética, que dá sinais de uma exaustão deletéria há cerca de duas décadas.

 

No texto passado, baseado na fábula do "guizo no gato", expus sobre o mau humor do mercado, como decorrência do clima de instabilidade política. Com isso, o pouco de aposta que se fez em torno de alguma estratégia liberal de Guedes e equipe escapou feito gás. O fato em si sugeriu que nada de relevante ocorrerá com a reforma fiscal. Em paralelo, o BACEN aperta a política monetária para segurar os índices de preços. A partir desses olhares, já se mira no comprometimento do nível de atividade econômica para 2021. Tudo bem agravado pelo "sex appeal" eleitoral, que altera o receituário adequado para a direção de uma espécie de "viagra populista".

 

Lamentável que o apego ao cargo demonstrado por Guedes supere qualquer resistência daquele seu vigor liberal. Afinal, curvar-se à aventura do populismo autoritário, quando se apostava numa mínima  reserva de responsabilidade fiscal, tem representado um fato desanimador. Até mesmo para parte de um mercado que foi animada pelo canto de uma sedutora sereia, até então despida de alguma epifania autoritária. 

 

De pronto, a fábula aqui é outra e evidencia agora um deleitoso jabuti, para reforçar todo esse clima de deterioração na economia brasileira. Não bastassem as arapucas armadas desde a aprovação do orçamento (para se contemplar as triplicadas emendas parlamentares), passando por um ensaio de reforma no IR (que só aumenta as distorções), até chegar à  incongruência da PEC dos precatórios, tudo isso reforça o nível dos desencontros da política econômica. Nesses maus arranjos fiscais, o assustador mesmo é a escalada inflacionária, cuja explicação também passa pelo impasse criado em torno da fragilidade da matriz energética.

 

Neste aspecto, os jabutis se revelaram à vontade. E a MP da capitalização da ELETROBRAS me parece emblemática. Entre os adendos desconectados de uma proposta que mira na privatização da estatal, foram equivocados os "jabutis" que só têm favorecido o aumento do preço da energia. Algo bem diferente da estranha aposta do governo de ter apontado para uma redução média em torno de 7%. 

 

Isso faz sentido porque houve falhas em duas direções. Seja na obrigatoriedade da contratação de termelétricas a gás natural em algumas regiões, algo que exigiria investimentos em infraestrutura de gasodutos. Ou mesmo, pela impertinência de se mostrar na contramão da livre concorrência, quando se propôs uma reserva de mercado em cima das pequenas centrais hidrelétricas. Como disse meu Professor dos tempos de USP, José Roberto Mendonça de Barros, numa recente entrevista, esse efeito inflacionário que adveio do setor de energia teve nessa MP, não só um jabuti: "foi um projeto Tamar inteiro".

 

Assim, embalada pela fábula dos jabutis, a política econômica perde seu rumo fiscal e se depara com uma ameaça inflacionária de distintas explicações. E tudo acontece no pior dos mundos, onde a combinação de um governo débil (com menos de 25% de aprovação) com a proximidade eleitoral só faz despertar aquele desejo pelo  "viagra populista". Um triste cenário econômico que tenho alertado há meses.

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