A hipocrisia da democracia regional não resiste ao CEP
A resiliência de um fora do eixo na economia e na sociedade
Atrevo-me em seguir uma máxima "voltaireana". Ao reconhecer "o veneno do medo como reagente da esperança que alimenta a alma", penso que ainda há espaços para se apostar numa conquista por dias melhores. Embora o mundo hoje revele uma espécie de "juizo final" diário como previa Camus, aposto no olhar idílico do maior poeta lusitano que "carregava com ele todos os sonhos do mundo". Sim, por que não ter utopias realistas?
Todo esse apelo de cunho literário confirma minha intenção de rever esse triste momento, no qual o chamo de "apogeu da desumanidade". Nessa tese, de revisão urgente dos conceitos socioeconômicos, torna-se emergente a inserção da "humanização" como instrumento de um plano, que aproxime o desenvolvimento da sustentabilidade.
Com base nesse princípio, é preciso agir contra os distintos modos de preconceitos. As altitudes que hoje predominam são o clímax de uma desumanidade, que impregnada na sociedade brasileira, espalha-se muitas vezes sutil. É como se estivéssemos e vivêssemos numa real democracia, em plena harmonia com uma convivência social sem reparos. Simplesmente, irreal.
Na coluna passada, explorei o tema pelo viés racial. Nele, reafirmei o quanto a incompletude da abolição de cidadãos escravizados, tem-se traduzido em preconceitos odiosos, com o arbítrio na forma de abusos, via violência e morte.
Agora, detenho-me noutro tipo de preconceito que, na maioria das vezes, disfarça-se por meios sutis, que apenas servem de pretexto para esconder a essência mais estrutural de um evidente preconceito. Nesse sentido, nos casos em que o regionalismo assume ares de xenofobia, o mínimo escape agressivo que seja evidenciado, fica coberto pelo pretexto de que o ataque foi mera brincadeira. De fato, a estupidez dessa atitude, em forma ou não de mau gosto no brincar, apenas revela a extensão de outra manifestação estrutural do preconceito.
E que se ponha mesmo essa ordem de grandeza estrutural, porque o problema tem raízes socioeconômicas bem fincadas. Para tanto, uma grande vítima começa pelo simples CEP. Não nascer e/ou residir fora do eixo das decisões e benessees pode representar um passo para trás, um ponto fora da curva.
Na mais segura realidade do nordeste, por exemplo, mesmo que exista um repertório de instrumentos socioeconômicos que tratem a região com um olhar diferenciado, muitas situações ainda se exprimem por aquelas sutilezas que dão disfarce ao preconceito. Exemplos são fartos. Isso se dá quando o incentivo econômico à região fosse um gesto para "pobres coitados". Ou quando, no futebol, a questão regiomal não vale sequer sua expressão identitária. Pior ainda é assistir aquela sutileza até mesmo onde o valor regional têm força plena (como na produção de cultura e turismo), quando os privilégios de consumidores de outras regiões se escondem por trás de uma soberba discriminatória.
Vencer as barreiras das desigualdades regionais, com humanização nas relações, também é uma agenda positiva para um novo projeto desenvolvinento. Nesse plano, não cabe validar o CEP.