A Irremediável Obra Secular do Anti-Desenvolvimento
Se Subdesenvolvimento não é Improviso, Rever Planos é Preciso
Nesta semana, comemoramos os 103 anos de nascimento do notável Celso Furtado. Para a coluna de hoje, resolvi escrever sobre um dos temas que mais lhe incomodava, como intelectual e gestor público. Confesso aqui que tirei da ordem um tema assemelhado, no qual a incompletude histórica e malévola tão comum ao nosso país (como foi o descaso no trato das pessoas pretas após o desfecho do abolicionismo), que teria também tudo a ver com o entrave do desenvolvimento. Mas, este ficou para a próxima.
O contexto me fez mudar. Pela data de Celso e pelo anúncio, nesta semana, de medidas que retomam as políticas públicas de fomento para o Nordeste. Por isso, decidi a respeito dessa minha intenção de antecipar o tema, por mais que pressinta os nexos existentes entre tratar questões estruturais, que sempre criaram obstáculos para a execução de planos de desenvolvimento. E sobre o desenvolvimento regional, particularmente, após a repetição para essa alçada da velha temporada de negação das políticas públicas, um anúncio de restauração de conquistas, por menor que seja a dimensão, cabe uma comemoração comedida. Nessa aposta, valerá a defesa por ações mais transformadoras, além de plenamente alinhadas com os princípios da inovação tecnológica e da criatividade humana.
Nosso arguto cronista Nelson Rodrigues, numa de suas frases mais difundidas, dizia com precisão que "subdesenvolvimento não se improvisa, porque é obra de séculos". Esse meio de enxergar uma certa tolerância cômoda, devido a uma parte da sociedade confirmar sua disposição por resistir às mais simples mudanças, termina por corroborar uma espécie de tendência anti-desenvolvimentista. Uma inconveniência.
O Brasil se acostumou a postergar decisões e dissimular sobre situações, sobretudo, quando enfrenta questões estruturais. Aquelas que expõem fraturas expostas, quando se vêem ameaçadas nas intenções e impedidas nas realizações. Se foi assim com as consequências da abolição, não tem sido diferente com as políticas de desenvolvimento, no seu ideal de trazer as desigualdades para um padrão mãos tolerável e menos afrontoso.
Claro que, em dado momento histórico, o esforço intelectual e de gestor público de uma figura da estirpe de Celso Furtado fez alguma diferença nesse processo. Ele não só teve a capacidade de trazer à luz da evidência o diagnóstico da desigualdade regional. Foi além desse ponto ao formular ideias e propor soluções adequadas ao contexto, mesmo que sejam possíveis expor divergências entre elas, seja na ocasião de executar as teorias ou avaliar alguns resultados. De fato, o que cabe aqui enaltecer foi a ousadia técnica de Celso Furtado, em ser o primeiro a arriscar uma defesa consistente e até inteansigente, em nome do seu compromisso em ver o Nordeste noutro padrão de desenvolvimento.
O interessante de destacar como ponto adicional, que consigo extrair da sua obra, é também uma certa inclinação que paira no ar, no sentido de que sem planos ajustados que foquem num desenvolvimento ajustado à realidade, o mínimo de improviso termina por levar o país a somar mais anos e décadas, para o imobilismo. E essa escalada só serve para ampliar o conceito e jogar a situação para um estágio do que chamo de "causadores do anti-desenvolvimento". Por mais involuntária que seja a mais despretensiosa das atitudes.
Não resta dúvida de que a iniciativa do governo em aportar R$ 50 milhões no Nordeste (basicamente, para projetos com compromissos ambientais) é um bom recomeço. Também a decisão por apertar bem mais recursos à frente, amplia o significado político. No entanto, é preciso encarar esse momento e engajar ainda mais os agentes desse desenvolvimento num processo mais ousado e inovador. Nessas iniciativas de políticas públicas, é preciso fortalecer e sintonizar o triângulo da pesquisa (Universidades Federais e FUNDAJ), a formulação do fomento (SUDENE) e o crédito (BNB). Tão importante nesse escopo, é daí se ter um plano estratégico que não só incorpore as vocações naturais da região, mas que ouse nas questões da hora: ser sustentável, respeitar o meio ambiente e promover a diversidade.
É preciso romper com essa irremediável condição, na qual o Nordeste parece assumir uma cara de território subdesenvolvido. É também preciso ir além do que Celso tanto fez em defesa do seu plano, com decisões políticas mais firmes e longevas. É preciso compreender a dinâmica do mundo e poder fazer planos com utopias realistas. É preciso tirar o improviso de rota e daí considerar que a unidade de tempo para estabelecer um plano sustentável de desenvolvimento é o agora.
Uma coisa é certa: o Nordeste continua a pedir por pressa. Há séculos.