A recuperação econômica do turismo merece atenção diferenciada
Como avaliar a essência de números animadores?
Por mais bem fundamentados que sejam e por mais favoráveis que se apresentem, os dados estatísticos sempre me sinalizaram para uma disciplina preventiva. Na minha influência "machadiana", que aqui amplio para além do que ele, originalmente, extraiu da identidade humana, penso que a essência dos números também sofre algo semelhante ao que teorizou no seu conto "O Espelho".
Bem, nesse sentido revelado pelas estatísticas, sempre imagino ir além da primeira impressão. Tento entender algo reflexo, como contraponto, que possa apontar para outra linha de interpretação. Como o outro lado do espelho. Uma espécie de olhar que exerça influência sobre a imagem extraída da primeira impressão.
Faço toda essa analogia para falar do ânimo causado pelos números recentes conquistados pelo setor do turismo no País e, particularmente, em PE. Mais do que acompanhar de perto esses resultados, serviram-me de motivação maior um artigo do Mestre e amigo Roberto Pereira e algumas conversas com profissionais locais do chamado "trade turístico".
De fato, os números revelam um crescimento importante, porque carregam consigo um resultado aliviante, sobretudo, pelo que foi causado de negativo com os efeitos da pandemia. Os novos sinais do tempo têm trazido euforia, por exemplo, na forma de voos lotados e boas ocupações na rede hoteleira. Mesmo assim, o que também pode estar por trás "do espelho" desses números exprime uma linha de preocupações. Seja ela de caráter conjuntural. Ou mesmo, pela ótica de questões estruturais que ainda estão longe de serem resolvidas.
Nessa perspectiva conjuntural, os resultados de 2023 têm seus impactos decorrentes de dois efeitos claros: a decisão por retomar as viagens depois de controlada a pandemia e a melhoria das expectativas em torno da economia. Basicamente, esse revigoramento tem contribuído com o fluxo doméstico de acordo com o perfil do destino escolhido, seja para o lazer, como para as iniciativas corporativas na forma de viagens para negócios. Nesta particularidade, os números do Recife, por exemplo, repetem sua dinâmica clássica, que não se traduz pelo vetor do lazer, e sim, dos negócios. Enfim, a demanda reprimida que deriva do "efeito pandemia" e a melhora nos indicadores econômicos, têm sido as melhores motivações que tem levado à euforia geral ditada pelo fluxo de turistas.
No entanto, perceba o leitor atento que, na outra face da moeda, há conceitos e situações que podem nos fazer acreditar que tamanho impulso não revela capacidade para sustentação. O turismo externo, por exemplo, se mantém na sua histórica inércia, ou melhor, sem crescimento impactante e sustentável. O desejo do turista por retomar suas viagens internacionais ao Brasil, por maior que lhe seja o atrativo do câmbio, sempre esbarra em aspectos nada sedutores, como a insegurança e baixa qualidade na prestação de serviços.
Na alçada doméstica, o atual sucesso no fluxo ainda consegue tolerar uma onda pteocupante de preços abusivos que tem sido praticada pelos agentes econômicos. Tudo que está ao alcance do turista interno, tem-se mostrado caro e com viés de alta. Penso que, enquanto o topo da pirâmide de renda se sentir longe dos atrativos que vêm de fora, pode-se ter algum mercado, capaz de pagar caro pela exorbitância dos preços atuais. Mas, diante de qualquer sinal de melhora no exterior e mantidas as boas expectativas sobre a economia brasileira, parte desse fluxo doméstico de hoje tende a inverter a direção. Exemplo: destinos como Gramado, que se fortaleceram às custas de pacotes financiados por operadoras, precisam reconsiderar esse velho contexto. Sob pena de sofrer instabilidades no perfil desse fluxo e comprometer o desempenho.
Pelo que "o espelho" pode esconder, no sentido da ironia do gênio Machado, a frieza dos números pede essa atenção diferenciada.