A similitude da velha alquimia política para atenuar a economia (II)
Não só dos fatores exógenos a camuflagem da alquimia política faz por esconder os problemas econômicos. O ambiente interno também tem aguçado o clima de incerteza e volatilidade que contribui para as preocupações que pairam no ar.
Na coluna passada, antecipei três linhas de situações problemáticas que carecem de enfrentamento, embora a opção pela alquimia política de desviar o foco, por meio de embates ideológicos generalizados, ponha em sério risco a estabilidade econômica.
Um primeiro ponto que chamo atenção é exatamente a inércia das reformas. O tímido e discreto passo dado em torno do tema previdenciário já está dizimado pela demora por se definir os dilemas tributário e administrativo, que fazem do Estado brasileiro um ente lerdo, paquidérmico e ineficiente. Um quadro problemático, que me transforma num pessimista quanto à certeza por uma solução de curto e médio prazos. Só por esse aspecto, considero o déficit fiscal uma realidade inexorável de incômoda convivência, ainda por um bom tempo. Mesmo com certo resultado favorável, em mínimos avanços nas questões tributárias e administrativas, julgo que não haverá grandes conquistas. Afinal, alguns exageros históricos da estatolatria edificaram o muro quase intransponível da resistência.
Outra via dessa análise, que se retoma agora com maior preocupação, diz respeito ao agravamento iminente das desigualdades sociais. O leque desse problema tem-se tornado amplo, sobretudo, pelas consequências inevitáveis de uma pandemia que pôs em nocaute as atividades econômicas. A amplitude do desafio se revelou não apenas conjuntural, no sentido de um evento que se mostrava efêmero como uma pandemia. De fato, essa crise de origem sanitária, pela ausência de um plano técnico rigorosamente articulado e multidisciplinar, ganhou mais densidade crítica nos planos econômico, social e político. Daí, diante dos problemas pré-existentes nessas áreas, a pandemia terminou por gerar abalos de contornos estruturais, que hoje dão o ritmo do grau de preocupação com a situação geral do País. Uma síntese da gravidade desse "processo inflamatório" está no desafio de apelar por decisões políticas que contrariam a própria essência do Governo. Ou seja, na fase de se mirar a porta de saída da pandemia, a questão que se sobrepõe é como rever os principios econômicos que deram substância à instalação do Governo, diante de um inevitável agravamento dos indicadores sociais. O aumento da desigualdade de renda, aliado ao crescimento do desemprego, formam um quadro geral de pobreza que já se revela como o maior desafio das políticas públicas no curto prazo. E reconhecido o primeiro dos desafios antes destacado, como lidar com isso diante da histórica e não resolvida fragilidade fiscal brasileira?
Por fim, o "tempero" dessa "culinária indigesta" foi o modo descompromissado promovido pelo Governo no reconhecimento e no trato da pandemia. Acertadas ou não, as ações resultantes do que foi considerado como armas de combate, foram iniciativas ainda menores que o acirramento ideológico e o palanque eleitoral do ainda distante embate de 2022. Tais pontos falaram mais alto do que o planejamento técnico e a coordenação política articulada, algo vital para encarar o problema sanitário de frente e minimizar as dimensões críticas do que assistimos hoje, do ponto de vista econômico, social e político.
Por esse ensaio arriscado de fugir do foco, 2022 se projeta como um ano desafiador para a economia brasileira.