As incertezas da economia e a engenharia política - Parte 1
Na coluna de hoje e na próxima, meu desafio será narrar a oportunidade na qual os economistas terão seu direito de também praticar "o maior esporte da convivência sociopolítica" desta nação: o da transferência de responsabilidade. Ironia à parte, nesses dois momentos, cabe-me explicar os pormenores de tamanha assertiva.
De fato, a força desse argumento não representa aquele convencional jeitinho na forma de pretexto, tão usual para quem não faz autocrítica para assumir seus erros. Isso porque, uma banda da sociedade ainda se julga como infalível, sobretudo, aquela representada por governantes pouco afeitos ao trato com o contraditório. Refiro-me aos que não usam réguas para medirem os erros que cometem, seja nas suas políticas públicas, como nos seus limites de poder, constitucional e democraticamente estabelecidos.
Assim surgem e crescem os dilemas econômicos. Como o diagnóstico expresso no parecer técnico proposto pelos economistas precisa ser refletido como uma decisão da sociedade, fica então essa responsabilidade para a articulação política, em tese representativa das procurações passadas através dos votos nas distintas eleições.
Sem arrodeios, afirmo que a razão do longo impasse econômico brasileiro também se deve à ineficácia da engenharia política. Serei ainda mais direto: muito do que pode ser explicado como razão maior das incertezas que pairam sobre a economia decorre da falta de coesão política. Sem diálogo institucional fluente entre os poderes republicanos a economia emperra. Para nutrir esse raciocínio, faço aqui o uso comum da raiz problemática: o velho desajuste fiscal. A propósito, farei um breve traço da sua origem recente e daí irei me projetar no drama atual - a inércia das reformas e a falha desse polêmico e inexequível orçamento, que ainda clama por execução.
Na origem dessa história do desajuste fiscal, dada certa dose de racionalidade ideológica, torna-se doído para o economista ter que assumir três imbróglios técnicos: 1) demonstrar os limites definidos pela carência dos recursos públicos; 2) revelar que o desajuste é fruto natural de escolhas equivocadas da própria sociedade, sob as bênçãos dos três poderes; e 3) apontar que a solução tem que ser institucional em cada órbita de poder, cuja engenharia exige do executor da política pública, humildade para reconhecer o problema e capacidade para articular a solução.
Nesses pressupostos os fatos foram impositivos. Houve inúmeros alertas, mas a indiferença da sociedade, exercida por uma engenharia política que fez pouco na articulação e muito na inação, terminou por prevalecer. Ao se tomar aqui como ponto de partida a constituinte de 1988, raros foram os momentos em que os sinais de equilíbrio macroeconômico ou alguma boa tendência trouxeram expectativas auspciosas. A grosso modo, só durante a estabilidade promovida pelo real no governo FHC, no primeiro mandato de Lula e alguns sintomas de controle no período tampão de Temer. No geral, tudo feito sem tantos avanços fiscais firmes, seja no rigor de uma estratégia mais visceral sobre os gastos, como na simplificação de uma estrutura tributária ineficiente e paquidérmica.
Nesse ponto de vista onde referencio a constituinte, faço isso porque a carta magna e todo aparato legislativo derivado foram benevolentes com as demandas corporativas da sociedade, no sentido de criarem, irrestrita e impulsivamente, despesas obrigatórias como emendas, transferências, previdência, educação, saúde e salários e aposentadorias especiais de servidores. O vetor resultante da gastança foi verificar que o país atingiu, nas suas contas públicas, um volume desses gastos bem acima da receita. Uma situação extrema de exaustão dos recursos públicos com riscos de enfrentamentos que passariam pelo atraso de pagamentos, calote ou expedientes inflacionários de custeio. Enfim, uma situação gerada pela política e só contornável pela mesma via.
Outros desdobramentos que reforçam essa tese deixarei para a próxima coluna.