As Lições e a Agenda do Nordeste Após a COP 26
O Nordeste da Seca e do Desmatamento é o Mesmo Produtor de Energias Renováveis
Esta semana faz um mês de encerramento da COP 26. Como já havia dito por aqui, havia planejado este texto sobre o papel específico do Nordeste nesse evento, mas fui atropelado por outras pautas que julguei pendentes. Bem, o importante é que chegou a hora e o assunto, evidentemente, não perdeu sua importância. Afinal, dois dos seis biomas brasileiros (a caatinga e à mata atlântica) estão inclusos no territirio nordestino, o que expressa o tamanho do compromisso político com a sustentabilidade, posto sobre os ombros dos agentes econômicos e sociais da região.
Antes do relato sobre o que foi tratado em Glasgow sobre o futuro do nordeste diante do desafio ambiental, cabe-me aqui colocar uma opinião prévia, que entendo ser possível destacar, justo pelas particularidades da região. Quero dizer com isso que, apesar dos velhos problemas recorrentes com a estiagem (no sertão) e o desmatamento (na faixa litorânea e na zona da mata), nossa região revela também alguma forma de reação, pelo que pode contribuir em troca, através da capacidade produtiva das fontes de energia limpa. Os avanços, mesmo que tímidos, das produções eólica e solar, já contrastam com a paisagem árida e desmatada, em alguns pontos do território nordestino. Essa configuração reproduz a tese de que a região atingida pelas históricas agressões ambientais é a mesma que se apresenta agora como uma gigante produtora das energias renováveis. Esse importante diferencial pode ser o passaporte daquele crédito que a sociedade brasileira precisa recorrer, em termos de ações sustentáveis efetivas, que lhe sejam capazes de influenciar no escopo de um novo padrão de desenvolvimento econômico e social.
Bem, já sabemos que a participação brasileira ficou comprometida, em larga medida, devido ao fiasco da política ambiental promovida pela esfera pública federal. Contudo, tamanha inconveniência política não impediu, mesmo que de modo constrangido e tímido, que outros atores públicos e privados agissem no evento, com a intenção de um esforço em prol de alguma remediação pelo passado (como o descumprimento do acordo de Paris) e presente (como os discursos e práticas contrárias à emergência da sustentabilidade). Neste particular, além de importantes participações de ativistas e ONGs, cabe também o registro da presença de lideranças políticas estaduais e municipais. Todos intencionados em demonstrarem preocupações pelos fatos ocorridos no passado e presente, mas sem retirarem os olhos para os desafios futuros. Desde o lançamento de novos compromissos ambientais assumidos pelo Consórcio Brasil Verde (composto por alguns governos estaduais), bem como, pelas iniciativas individuais dos estados e municípios nordestinos. Por isso, ainda cabe crer no interesse de boa parcela da sociedade brasileira, em se manter preocupada com o futuro das próximas gerações.
Esse caso particular da presença nordestina no evento, merece mesmo algum destaque. Embora a região não se distancie da média nacional das agressões ambientais (como a participação de 40% nas emissões oriundas do MUT - mudanças no uso da terra e florestas), foram importantes as exposições de compromissos tratados pelas outras duas esferas públicas. De certo modo, essa postura contribuiu para recolocar o Brasil numa linha de novos acordos, algo indispensável diante das preocupações ambientais relançadas pelos defensores dessas causas. Posturas vistas em distintas frentes de debates naquele evento. Primeiro, nas intenções abertas em nome de políticas sustentáveis. Depois, na revisão de investimentos, através do apoio às iniciativas consideradas mais limpas, enquanto forma de combate às emissões de carbono. As novas plantas de investimentos, direcionadas para projetos como o "hidrogênio verde", previstas para os complexos portuários de Suape (PE) e Pecém (CE), demonstram bem essa inversão na linha de comportamento e na forma do investimento. Portanto, fazem parte de um novo olhar para o mundo.
Embora a gente tenha que assistir ao tempo em movimento, sem que se tenha qualquer oportunidade para que ele pudesse parar, faz parte do nosso esforço preservacionista que o "futuro não repita o passado", ao contrário do que dizia a letra da música de Cazuza. Pelo menos aqui, no mundo dos crédulos da sustentabilidade, o desenho do futuro carece ser diferente daquilo que foi apenas um alerta pessimista e impaciente desse notável poeta da MPB. Afinal, se aquele alerta não couber num mínimo sentimento de mudança, ai sim seremos penalizados por um mundo que parou e morreu pela repetição contumaz dos nossos próprios erros. Cabe, então, à sociedade exercer sua escolha.