As semelhanças das conjunturas de 2002/03 e 2022/23: a economia entre equívocos e incertezas
A lição da experiência põe em xeque roteiros e protagonismos
Nos textos das últimas três colunas expus, em breves comentários, os cenários políticos e econômicos de 2002/03. Algo que se manteve numa chamada "zona de conforto" até pelo menos 2005. Se tivesse aqui que ainda resumir aquele triênio do primeiro mandato do Presidente Lula, diria que os fatos relevantes foram os seguintes:
1) uma carta dirigida à nação, na qual o então candidato Lula, diante de sinais vigentes de instabilidade econômica, descarta a ingerência político-partidária de querer desconsiderar o desequilíbrio nas contas públicas;
2) a dupla Palocci/Meirelles, à revelia dos setores mais à esquerda que apoiavam o novo governo, foi escolhida pelo presidente Lula, num sinal de aposta nos valores técnicos que indicavam para a necessidade efetiva de controle dos indicadores macroeconômicos, em sintonia com o que dispunha de instrumentos a equipe econômica do governo FHC;
3) Essa estratégia, que ainda era condenada por parte do núcleo politico-partidário, rendeu dividendos políticos ao próprio presidente Lula, que colheu os resultados de uma economia mais estável e equilibrada, apesar da boa contribuição externa advinda do crescimento económico do mundo e de uma balança comercial favorável, esta explicada pelas exportações do agronegócio estimuladas pelo boom asiático;
4) as evidências pela sustentação - mesma que branda - dessa postura técnica da equipe econômica continuou a não convencer o núcleo político-partidária, sobretudo, porque este carecia de um apelo popular dependente de um aumento substancial dos gastos sociais, para "compensar" os desgastes de uma crise política que já dava sinais de agigantamento;
5) com as transferências de Dilma (do Ministério das Minas e Energia para a Casa Civil) e de Mantega (do BNDES para o Ministério da Fazenda), o eixo técnico da equipe econômica se deslocou e abraçou a causa emergente do núcleo político, o que gerou uma outra concepção de estratégia econômica, dita como "social-desenvolvimentista";
6) assim, no final do primeiro mandato do governo Lula, redefinem-se planos e compromissos, numa ação inicial de sobrevivência política que terminou por se prolongar até o governo subsequente, que Dilma consagrou como uma continuidade, mesmo que se perceba uma brutal ruptura do ambiente econômico;
7) este tal ambiente econômico foi drasticamente alterado, passando de um ciclo inicial de euforia (não reconhecido por Dilma/Mantega como resquícios dos ajustes do primeiro triênio) para outro de sinal invertido (quando a expansão dos gastos acima do crescimento do PIB, começou a dar os sinais de reversão das expectativas entre os agentes econômicos).
Vistos tais registros, o que há de semelhanças com relação aos atuais ambientes político e econômico? De fato, o que existe de tão próximo nesse lastro de duas décadas? Bem, de imediato, não dá para irrelevar o que já antecipei por aqui. É que me parece estar em cena um filme bastante conhecido, pois são verossímeis os roteiros e os protagonismos. Então, nesse intervalo de vinte anos, surpreende esse quadro no qual os cenários parecem mesmo tão próximos.
Em primeiro plano, por conta do atual desmantelo que se observa na economia brasileira. Apesar da pandemia, em boa medida explicado pelo desvio de rota de uma equipe econômica "com jeito camaleão de ser": liberal na conveniência ideológica bem distanciada e nacional-populista na inconveniência polirica bem próxima.
Depois, num segundo plano, por um duplo protagonismo político entre situação e oposição, no qual o expoente desta última é o mesmo postulante - o ex-presidente Lula.
Sem muitos detalhes, porque o tema já tratei inúmeras vezes aqui na coluna, o ambiente econômico atual é de instabilidade. Afinal, se as pautas das reformas econômicas e das privatizações ficaram longe dos alvos prometidos, o agravamento derivado que se deu nas contas públicas, sob as bênçãos de uma política aliada no Congresso (leia-se Centrão), foi o "golpe mortal" que, ao lado do estrago da pandemia, pôs a economia brasileira na lona. Conseqüência disso? Penúria social: mais desemprego, pobreza e fome.
Por outro lado, como o ambiente politico e suas perspectivas exigirão mais deste mero analista, deixo para a próxima coluna tal desfecho.