Logo Folha de Pernambuco

Coisas de cinema que se traduzem nos melhores efeitos econômicos - Parte 2

Do movimento à realidade vitual: a Indústria Criativa revela a face de outra economia

Cinema - Agência Brasil

Na coluna anterior, encerrei a primeira parte do texto com a mensagem de que "aqui no Brasil se tem e faz uma economia criativa forte". Para chegar a essa conclusão, antecipei um esforço para ilustrar, particularmente, o quanto o setor audiovisual é representativo, dinâmico e estratégico para a economia brasileira. Não apenas pela dimensão da sua cadeia produtiva. Mas, em paralelo, pelo contexto do seu valor identitário e pela resiliência de reagir à hegemonia de outras culturas. Conceitos que se fazem mais relevantes no mundo de hoje, pela "guerra de conteúdos em imagens", estabelecida pelas brutais transformações tecnológicas, vistas nas duas últimas décadas. 

Costumo usar um exemplo, que se deu comigo mesmo, por ocasião de um voo, entre Brasília e o Recife. Ao solicitar de una comissária de bordo um copo d'água, ouvi dela uma reação de que o produto era o mais consumido na aeronave. Propus-lhe o desafio de olhar com atenção para toda cabine. Daí, pude-lhe mostrar que quase todos os passageiros consumiam, por algum meio, o produto audiovisual. Entre canais de TV, vídeos e jogos, todos exerciam a soberania de escolher o seu jeito de consumir conteúdos.

Considerada essa breve experiência de uma demanda bem robusta por certo produto, o curioso é perceber que muita gente, talvez impregnada pela plenitude do entretenimento, não consegue enxergar a mobilização de fatores de produção, que faz acontecer os fluxos real e nominal de uma economia forte. Ou seja, fazer cultura, aqui vista pela ótica do audiovisual, gera empregos e rendas. Tanto ou mais que outros setores, comumente valorizados pela sociedade. Um comportamento que deixa no ar, com uma certa dose de sutileza, todo um preconceito que põe em demérito quem produz arte e cultura. O que é lamentável, pois exemplos de sucesso empreendedor não faltam.

Se aqui considerar que esse meu esforço descritivo fez mesmo algum sentido, sinto-me mais disposto pelo propósito de comentar agora duas situações extremas, capazes de promover algum nível de impacto. Refiro-me, de um lado, ao desmanche do audiovisual argentino. E, noutro plano, destaco um conteúdo serial brasileiro, que bem expressa a qualidade do que se tem feito por aqui.

Um exemplo de cinema sul-americano vitorioso, com 7 (sete) estatuetas de Oscar, sendo duas delas de melhor filme estrangeiro (La Historia Oficial e El Secreto de Sus Ojos), não serviu de referência. O governo do recém-eleito Milei, pôs a nocaute um fazer cinema sério e responsável, que só trouxe imagens positivas para a Argentina. A fama de "filmes bons e baratos", não serviu para os discursos ultraliberais e as propostas extremas  do novo governante. De fato, mesmo que sem retirar da estrutura administrativa o tradicionalíssimo instituto de fomento (o INCAA), a proposição a ser executada foi matá-lo por inanição. Ou seja, os projetos audiovisuais não irão mais contar com os recursos principais de fomento, ficando submetidos a uma fonte de custeio bem menor. E pior: absurdamente, geridos por mecanismos de controle direto dos conteúdos. Um meio disfarçado e hipócrita de se exercer a liberdade de expressão, de se apoiar na velha prática da censura. Do ponto de vista econômico, esse ataque apenas ao audiovisual argentino representa algo como por em risco parte dos 650 mil postos de trabalhos estimados para a cadeia produtiva do setor.

Enquanto nosso vizinho do lado parece se submeter a um ciclo de obscurantismo, a cultura brasileira, tal e qual a fênix, ressurgiu das cinzas em 2023. Não comemoro apenas o revigorar do setor, mas a convicção de que muitos produtos de qualidade estão aí. Pena que alguns sem grandes oportunidades de exibição, neste aspecto, por conta da pressão externa das forças hegemônicas que atuam no setor. 

Apenas como referencial dessa qualidade técnica e artística, tomo como exemplo a série que tratou da trajetória de vida do sociólogo e ativista social Betinho. Um primor como documento histórico, que   ratifica não só a competência técnica da produção, como o extraordinário desempenho artístico do elenco, em especial, o protagonista. Se não houver preconceitos político-ideológicos para se por acima dos valores artísticos, taí um produto que orgulha nossa competência de fazer algo com padrão de qualidade e mobilizando recursos econômicos. 

Como disse Luiz Fernando Veríssimo, "tendo a seguir a língua dos loucos, diante da mórbida coerência de lúcidos e suas vãs filosofias". A loucura de antes, quando crer na cultura e no audiovisual como negócio, já representa algo concreto. O inacreditável é ainda notar que existem alguns 'iluminados" que dão às costas para esse mérito. Por desconhecimento, desinformação e desprezo. Em atos de lucidez mórbida.

Veja também

Os 4 alimentos que podem reduzir o risco de 14 tipos de câncer
ALIMENTAÇÃO

Saiba os 4 alimentos que podem reduzir o risco de 14 tipos de câncer

Fujimori, Sergio Mendes, Navalny e Maggie Smith: confira as principais mortes de 2024
mortes

Fujimori, Sergio Mendes, Navalny e Maggie Smith: confira as principais mortes de 2024

Newsletter