Contradições que só Reforçam um Etarismo Ascendente
O Peso dos Gastos com Saúde no Orçamento Familiar
Sempre imaginei existir uma espécie de segredo de vida, que é embalado e trazido à tona com o passar do tempo. Na essência conceitual, isso pode ser tratado como sabedoria, um bem que costuma se apropriar da mente humana, gerar uma certo nível de acumulação e daí carecer de ser usado com a devida propriedade.
Percebo que esse valor hoje, tão intrínseco à maturidade, parece se perder diante de uma realidade implacável, que
trata a geração idosa como um segmento residual e incapacitado para atuar na sociedade. Nessa percepção de cunho estrutural, viceja um fenômeno social, que tem sido bastante recorrente: o etarismo. Noutras palavras, no pacote geral dos preconceitos estruturais e das intolerâncias de plantão, que agora, lamentavelmente, estão em evidência, há espaços também para reações contrárias aos que compõem a faixa etária mais idosa da população.
Essa "nova contradição nacional", enquanto fenômeno social, tem tomado vulto, justo na etapa final da transição demográfica, quando a população idosa passa a se tornar maioria. E, como consequência disso, a intolerância e o preconceito não se vestem apenas com a discreção do simples negar por negar os espaços mínimos devidos. A ordem de grandeza que traduz essa questão atinge preocupações maiores, do tipo que possa levar em conta políticas públicas sobre previdência e saúde, por exemplo.
Bem, nesta minha análise, desprezo a complexidade natural do primeiro caso, tamanho é o perfil dis problemas que afligem o sistema previdenciário. Atenho-me, mesmo que de modo superficial, ao tema da saúde, cuja correlação com o envelhecimento da população tem em si uma simbiose incontestável.
Para fazer frente ao etarismo cotidiano, que age por meio tão próximo, via posturas individuais contaminadas por soberbas, os mais velhos ainda padecem da plena desconsideração. Tal reação parte dos que se comprometem a lhes oferecerem atendimento de saúde, com a qualidade que prescindem. E esse objeto não me parece ser algo assim tão ao alcance dos idosos, sobretudo, se olharmos pelas atenções dispensadas por agentes públicos e privados.
Como se paga muito caro para esse segundo caso, não posso deixar de registrar o tratamento que os planos de saúde dispensam aos seus clientes mais velhos. Não só nos casos dos longos tempos de serviços prestados pelos planos. Refiro-me com ênfase aos que estão para lá da vida sexagenária e que merecem atenção especial.
No geral, a realidade dos planos não são qualquer coisa dispensavel. Ao contrário, temos aí na conta, mais de 50 milhões de clientes. A grande maioria (entre eles, idosos que sustentam familias), submetida a orçamentos domésticos apertados, porque a Agência Nacional de Saúde regula os reajustes de uma minoria, que responde aos planos individuais. Cerca de 40 milhões de brasileiros e brasileiras ficam à mercê do mercado, por estarem em planos empresariais (muitos são MEI) ou porque aderem aos planos das empresas para quem trabalham.
Outro fato é que os reajustes dos planos tem peso na aferição da inflação, pela metodologia aplicada ao cálculo do IPCA. Os 9% do reajuste dos planos individuais, autorizados recentemente para 2023, podem não ter gerado o mesmo impacto que o registrado no ano passado. Neste caso, quando os 15% ajudaram na expansão da inflação entre maio e julho/22, o que tem um efeito considerável.
E na amplitude da cobertura (que mantém uma maioria submetida aos índices elevados de reajuste), o quadro geral propicia uma situação de inadimplência, que deixa sem acesso aos serviços de saúde grande parcela dos associados aos planos. E haja daí, mais pressões sobre o frágil sistema de atendimento público, sob a proteção do heroico SUS. Haja barômetros!
Enfim, minha melhor avaliação é que o tempo reoresenta o principal aliado, no conceito de se acumular experiências, para que dela a velhice possa corresponder no uso da sabedoria. Mas, infelizmente, no mundo de hoje, o apartheid etário passou a ser uma dura e cruel realidade. Mais outro problema estrutural que nossa sociedade costumar empurrar para debaixo do tapete.