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Cuidados para não ser mais um idiota da objetividade

O preconceito estrutural explica a baixa adesão das mulheres como agentes econômicas

Alexander Suhorucov / Pexels

Fui criado num ambiente onde as mulheres sempre foram fortes, atuantes e independentes. Só no topo dessa hierarquia feminina, meu olhar se voltou para minha mãe. Educadora tão firme nos seus propósitos profissionais, quanto na atitude do seu  poder econômico, de chegar à minha escola e pagar as contas do que ela julgava ser um investimento. Modestamente, até creio que pude lhe corresponder. Quem sabe também lembrar de uma das tias poderosas, que como pioneira do rádio e da TV, soube ousar bem além do que a sociedade machista lhe proporcionava. 

Nessa breve reflexão passada, de súbito, vejo-me diante do espelho real do que ocorre hoje em minha volta. Esposa e filha bem resolvidas nessa questão. Mas, será que poderia projetar um nível de conquistas suficiente para dar a merecida paridade nas oportunidades econômicas, em se tratando das minhas duas netas? Cabem-lhes um futuro de lutas homéricas, tal e qual mãe, avó e bisavó? O futuro não seria diferente daquele passado, com a desigualdade próxima de solução?

De fato, nada tão cabível quanto a pergunta que se segue: até quando a desigualdade de gênero continuará generalizada? Eleições passam e promessas não se realizam. Há um fosso enorme entre discurso e realidade. Apesar de alguns avanços, as mulheres continuam com menos oportunidades de empregos e, na iminência de alcançá-los, têm-se que se submeterem ao incômodo de relações de trabalho que estipulam salários menores. Uma distorção anacrônica de um mercado que parece agir com indícios de uma misoginia estúpida. Isso tudo, sem falar dos efeitos impostos por tamanha adversidade, sobre aquelas mulheres que comadam os lares, seja como trabalho adicional, ou mesmo, sob o ponto de vista da renda familiar.

Claro que poderia aqui me ater aos rigores técnicos das estatísticas, que são capazes, por exemplo, de revelarem que a situação sequer voltou às condições da pré-pandemia, conforme pesquisa recente. Uma vez que possa encarar os números apenas como importante vetor auxiliar, opto por uma construção analítica mais profunda, longe de fatos concretos. É quando trilho o caminho do racional para o emocional, dentro dos limites sustentáveis. De verdade, há situações - e quase sempre quando os aspectos estruturais ganham robustez- onde a análise carece mesmo de sentimentos. Nada mais apropriado quando o tema em discussão expressa a violência das formas de preconceito.

Como a realidade pode mesmo se revelar mais densa e complexa do que muitos modelos analíticos, sigo aqui uma velha percepção de Nélson Rodrigues. Em situações semelhantes, nas quais a genialidade do cronista social se traduzia bem mais pela essência do realismo do que no isolamento do fato concreto, ele evidenciava esse papel como exercício comum aos idiotas da objetividade. Tamanha é a ordem de grandeza da desigualdade de gênero, que me reservo de cuidados, justo para fugir de qualquer risco análogo. 

Do alto de quem teve "experiências ginocratas", que minhas palavras simplesmente reforcem o alerta.

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