Do Isolamento Ideológico ao Globalismo Responsável
O que se Pode Esperar das Novas Relações Comerciais e Diplomáticas?
Há uma passagem na bela composição "Paciência", de Lenine, que diz: "a gente espera do mundo e o mundo espera de nós". Nessa troca recíproca da obra musical, nem sempre a vejo tão paciente, se nela me inspiro para tratar das recentes relações diplomáticas e econômicas do nosso país com o resto do mundo.
De fato, as pautas, quando não foram estressadas por perigosos rompantes isolacionistas, costumaram também expressar alguns ensaios públicos contrários à história de equilíbrio e harmonia, enquanto característica do nosso Itamaraty. É por conta desse espectro, que entendo o grau desejado de abertura econômica, numa perspectiva de olhar global, muito embora o ponderável possa propor gestos e ações responsáveis e soberanas.
A leitura exacerbada de um individualismo, que se assumiu como uma defesa ao extremo do ideário liberal, produziu uma repulsa intolerante contra uma parte do mundo que gira no eixo dos tratados coletivos, no meio das relações globais. A tradução disso tem-se propagado como manifestos nacionalistas, que de tão extremados, expõem até conceitos abjetos de supremacismos, nas suas mais distintas exposições. Não só as ações isoladas do indivíduo fazem sentido. O Estado também age, no seu isolamento, como um poder soberano, quase que independente das relações comerciais com o resto do mundo.
Os registros fáticos são fartos. Causam em mim um certo dissabor. Afinal, tratados comerciais conjuntos foram distratados. Instituições organizadas foram postas em questão. O nacional passou a ter mais sentido que o Internacional. Qual a sintese disso? Décadas de esforços por iniciativas conjuntas ou compartilhadas, que foram ignoradas. Pareceu que o individualismo e o nacionalismo submeteram a humanidade e as instituições a uma marcha fúnebre, com o intuito de levar as iniciativas globais para o estágio zero. Nesse contexto, o mundo ficou de ponta cabeça. E o Brasil seguiu o ritmo, com o governo anterior se notabilizando pela tolice de deslizes diplomáticos e por um isolamento ideológico fora do padrão,
Acontece que isso é tudo ou mais alguma coisa, que o atual governo não apostaria seguir. Não me surpreenderam, portanto, os esforços de reintegração do Brasil no "mapa mundi", quando a restauração do ambiente natural da diplomacia e a amplitude do comércio exterior estabeleceram o fio condutor das relações com velhos e novos parceiros.
A propósito disso, cabe-me dizer que esse reposicionamento não significará uma tarefa tão simples. E digo que não é só pelo tempo perdido com ideologias inoportunas e também pela ausência de correspondência junto aos parceiros. A velocidade da mudança que se observa no mundo de hoje tem imprimido uma outra dinâmica, que precisa ser bem posta. Diversidade e sustentabilidade, por exemplo, são temas da hora e fazem parte da pauta de acordos, tratados e negócios. Nesse universo, nem preciso ir a fundo nos compromissos ambientais que estão por trás de cada discussão e prática associadas. Participar desses movimentos com a devida responsabilidade, significa por o Brail no jogo. Agora, mais do que nunca, na condição de protagonista.
Cabe ainda lembrar que os desafios não se esgotam nesse protagonismo próprio. Por outra perspectiva de análise, deve-se validar ainda o papel de liderança aglutinadora, que deriva de outras formas de participação. Esse é o caso do desafio do MERCOSUL, onde o comando atual está nas mãos do governo brasileiro, com a responsabilidade de saber conduzir as contradições internas e daí consagrar uma parceria com o mercado europeu, travada ainda por algum tempo.
Depois do isolamento, bem-vinda a retomada. Mas, essa condução se mostra ainda mais desafiadora, porque o equilíbrio diplomático não se alcança sob riscos. Nem mesmo com espasmos que possam tirar do eixo os ambientes democráticos, o respeito à diversidade e o compromisso com o sustentável.
É desse jeito, que a gente espera que o mundo se mantenha. E é assim que ele também espera de nós. Salve Lenine.