Do velho Manual de Saúde: "Efeito Bolha" era sintoma de catapora
Patologia e contágio das bolhas sociais: preconceitos e desigualdades
Do ponto de vista da saúde individual ou mesmo coletiva, ainda sou do tempo em que "bolhas" eram meras reações como vistas num calo. Ou então, mais complexas, como numa contagiosa catapora. No entanto, a modernidade que nos foi imposta pela revolução digital, trouxe-nos outro sentido para as "bolhas". Sua cara 5G, indica uma forma particular de estratificação social. Uma espécie de "mundinho proprio", onde dadas criaturas se vêem distanciadas da realidade, situação essa que deriva de uma sociedade de jeito extravagante. Sim, uma excentricidade ditada por manifestações abertas de extremo preconceito e afrontosa desigualdade.
Claro que ambos perfis faziam parte do cotidiano dos meus tempos de infância e juventude. Inclusive, eram situações arraigadas às sua formas estruturais, que se faziam discretas, mas sempre atuantes. Assim, a "bolha social" não se expunha como tão agressiva e arrogante. Nas relações interpessoais, o contraditório tinha lá seu nível de tolerância, por maior que pudesse ser as extensões do preconceito e da desigualdade. Em contextos distintos e opostos, o fato é que gênero, raça e CEP sempre exerceram influências comportamentais. Mas, tudo acontecia numa espécie de sobrevivência em UTI, sob efeito de brutal asfixia.
De pronto, tomo o caso da desigualdade de renda como uma breve referência analítica. Vivi na infância e juventude numa permanente contradição social. Na família e na vizinhança, pertencia a um estrato social diferente do que encarava no meu ambiente escolar. Um choque que representava bem o contraditório, repaldado pelo vetor do nível de renda.
A aposta familiar por uma educação de qualidade, mesmo acima do padrão de rendimentos, prevaleceu na minha formação. Mas, isso se deu diante do enorme desafio de conviver com antagonismos, naquilo que orbitava em torno do núcleo escolar. À moda antiga, enfrentava relações interpessoais opostas, sob o ponto de vista da renda. Hoje diria que encarei as "bolhas sociais", numa outra escala de valores. Foi duro, mas resisti para contar essa história
Atualmente, com essa injeção exorbitante e compulsiva dos acessos às redes sociais, ditadas por vorazes algoritmos, o mundo da exclusão revela outro traço. E essa conduta de hoje é surpreendente e escandalosa, pelo destemor de quem, contagiado pelo sentimento comodista de tais "bolhas", imprime mais preconceito e desigualdade, do que se enxergava naquele padrão anterior.
Num mundo que agora se pauta por intensas polarizações ideológicas, alimentar as "bolhas sociaia" significa consagrá-las numa divisão entre o bem o mal, conforme o extremo da percepção que um lado tem do outro. Com a sobrecarga sistêmica do preconceito e da desigualdade, os desencontros socioeconômicos persistem. O velho conceito aristotélico ganhou o tempo e consolidou sua longeva resistência pela agilidade dos algoritmos.
É imperioso romper com tais valores e, a partir disso, criar um novo paradigma de desenvolvimento. Tão sensivel que seja capaz de humanizar nossa sociedade. Afinal, não há capital humano sem que mínimo de exercício de cidadania seja respeitado.