E por falar em futuro...
Em textos anteriores, já me reportei sobre os desafios imediatos pelos quais a economia brasileira precisará encarar. Fora do curto prazo e mesmo diante da velha falta de compromisso público com o planejamento, insisto em pensar no futuro, via estratégias para o médio e longo prazos. Dentro dos limites da minha percepção técnica, aposto as fichas no caminho que defendi na coluna anterior.
Em primeiro plano, é preciso iniciar a correção do papel do Estado, antes pelo compromisso de se combater o deficit fiscal, mesmo diante dos desafios impostos pelo jogo de interesses. Ousadia e coragem para fazer desse enfrentamento um troféu a ser conquistado. Pelas próximas gerações, que carecem de um Estado renovado.
Em segundo plano, é preciso estabelecer as bases de um novo ciclo de desenvolvimento econômico. Um compromisso de firme decisão política, que repare a mácula da desigualdade e coloque as atividades produtivas no trilho de ações sustentáveis. Em complemento ao duplo desafio, reforço que essa disposição não pode jamais ser dissociada de uma obsessão benevolente a favor da educação, focada no ensino básico. Sem essa percepção vista pelas lentes geracionais, certamente que qualquer exercício de longo prazo não se traduzirá em resultados.
Já tive aqui oportunidades de falar sobre os necessários ajustes da política fiscal. O receituário é comum a grande maioria dos economistas. Assim, sem se distanciar do mérito keynesiano de ativar a despesa pública na agudização da crise, a retomada gradual do compromisso de minimizar o deficit por outros instrumentos se revela um passo fundamental. Tão importante quanto rever o papel estatal, no sentido de se fortalecer uma política social que atenda efetivamente os vulneráveis.
Esse gancho final tem tudo a ver com a revisão do modelo de desenvolvimento. Penso que não há mais espaços para se conviver com a vergonha nacional ditada pela chocante desigualdade de renda. É preciso decisão por ações menos discursivas e mais pragmáticas, bem longe dos riscos populistas de medidas emergenciais. Nada mais intolerante do que, em pleno século XXI, ainda se aceite passivamente que cidadãos convivam sem saneamento básico e sob estruturas habitacionais sub-humanas. Esse indigno "cartão postal" da mediocridade das políticas públicas deveria ser motivo de vergonha para todos que vivem em condições diferentes. Da classe política míope aos dramas sociais aos estratos superiores da pirâmide, que usufruem do privilégio de uma água tratada, de um esgoto sanitário e de um espaço habitacional digno.
Só que pensar o futuro, após o desafio pela superação desses entraves prévios, implica na busca incessante por avanços econômicos sintonizados com o ecossistema. Aqui, "o bicho pega". Dada a sequência de posturas negacionistas no atacado e descompromissadas no varejo, a lamentar que o Governo continue a dar às costas ao Acordo de Paris. Uma atitude que somada às intrigas ideológicas contra os principais parceiros comerciais, parecem atuar a favor de uma inédita condição de pária internacional.
É bom que se enfatize uma tendência diferente no mundo de hoje, justo por se pensar em desenvolvimento sustentável. Afinal, assim pensa e age parte expressiva do capital internacional, no seu ímpeto por investimentos. Assim pensam políticos e técnicos afinados com tal princípio. Uma prova disso foi o manifesto recente assinado pelos ex-ministros Krause, Ricupero e Paulo Haddad, que vincula à reforma tributária aos preceitos ambientais sustentáveis. Uma tese convincente que merece ser validada pelos agentes econômicos.
Nesse ritmo, o mundo dá sinais de mudanças. E o Brasil precisa encarar o futuro pelas lentes dessa implacável realidade.