Economia em alerta: não há neutralidade quando se agride a soberania

Os riscos assumidos por quem escolhe a guerra para mudar o poder na política e economia

Seria inevitável que algo como o desatino de uma guerra tão singular gerasse tantas incertezas nos horizontes econômicos. Só mesmo um exercício prático de autocracia, vindo de uma figura política controversa e imprevisível como Putin, para trazer de volta o inferno dantesco de um conflito bélico que põe sob ameaça o mundo.

Acontece que o tempo, aquele velho senhor da razão, parece conspirar contra os delírios putinianos. Muito embora essa expressão temporal possa fugir da ideia de brevidade que estaria na cabeça do lider russo, qualquer que seja esse tempo não hã como ignorar os estragos econômicos. Do desrespeito civilizatório decorrente da agressão à soberania ucraniana, até o momento em que a reação precípua de quase todo o mundo ficou representada pela contundência das sanções econômicas, a federação russa assumiu os riscos de quem escolhe a trincheira de guerra para esnobar seu poder político e econômico. 

Quando aqui destaco a brevidade do tempo, creio que tenha lá algum nexo. Ê porque entendo que a arrogância putniana, em nome de uma Rússia mais forte nas armas de guerra do que nas econômicas, esperava por algo diferente, rendido à sua demonstração de supremacia. Essa aparente esperteza estratégica esbarrou em dois pontos surpreendentes: 

1) de que a pecha preconceituosa de despreparo de um "comediante", aliada a uma outra maliciosa de se lidar com "inimigos nazistas", não atingiu o alvo da derrubada de Vlodimir Zelenski; e

2) de que Putin não contava com o voluntarismo de inúmeros civis ucranianos, em defesa do seu chão.

A extensão desses efeitos reativos ficou ainda mais agravada com o consenso em torno das sanções econômicas. Tão logo anunciadas, o impacto foi algo devastador, na medida em que o isolamento econômico que se impôs à Rússia tem causado fortes consequências internas. No curtíssimo prazo, notam-se os efeitos sobre a desvalorização dos títulos e ações russas, a perda de poder monetário do rublo frente ao dólar e euro e a considerável elevação da taxa interna de juros. No primeiro caso, por exemplo, leve-se em conta que o estoque de reservas cambiais da Rússia está largamente amarrado àqueles papéis. Assim, todo esse "armamenro" poderá levar Putin a uma encruzilhada de direções preocupantes, tais como o agravamento das condições minimas de estabilidade na sua economia (que poderá levar seus adversários compatriotas às ruas) e o fiasco de assumir o ônus financeiro de uma guerra, cujo preço não é brinquedo. Detalhe: todo essa "disposição bélica" se dá ainda diante da resistência de uma pandemia, da qual se extrai um cenário econômico mundial de incertezas, pautado em cima de um ambiente de baixo crescimento e ameaças inflacionárias. 

E como fica a economia brasileira nesse contexto? Até que ponto a "viagem presidencial" representou algum benefício? A ideia de neutralidade política fará bem à nossa economia?

Se por aqui o ambiente econômico já se revela caótico, o desenrolar e a sustentação de um conflito dessa natureza gera impactos. Por mais que os juros internos altos (por conta do risco inflacionário) segurem o câmbio (a própria elevação dos juros tem o efeito de atrair capitais acostumados à especulação), a iminência de um quadro cambial desfavorável está sinalizado. Por sua vez, os riscos inflacionários derivam das expectativas em torno da alta do petróleo, da elevação dos preços do trigo e da menor oferta de fertilizantes. Ou seja, uma bomba de efeito retardado poderá ainda explodir. 

Com relação às demonstrações políticas de aproximação com a Rússia (em defesa da garantia de importações dos fertilizantes) e, depois, pelo pretexto de uma neutralidade de quem esconde o jogo, o vetor resultante se chama fiasco. Ainda bem que, o Estado, posicionado pela voz serena da tradição de nossa diplomacia, fez o dever de casa quando o assunto é agressão à soberania.

Mas, se o Governo não seguiu a experiência diplomática, adiante agregará a esse ônus, os riscos econômicos  inerentes a uma guerra. E em cima de um misto de instabilidade que conjugou a pandemia com a ineficiência da equipe econômica.

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