Entre dissensos e contrassensos, negam-se a ciência, o clima e o censo (2)
No texto da coluna anterior, fiz um destaque geral sobre o descaso que a ciência no Brasil tem sido tratada pelo governo e parte da sociedade. Conduzi o tema pela ótica da dedicação e perseverança dos cientistas, aproveitando-me do ensejo da história de Marie Curie, duas vezes prêmio Nobel, muito bem difundida no filme 'Radioactive". Em cima disso, todo um clima adverso bem atual, no qual a falta de investimentos empurra o setor para um quadro irreversível de apagão.
Esse panorama inicial consagrou para mim dois desdobramentos atuais, que ao reforçarem a tese negacionista expuseram também graves situações. Com consequências na visão de futuro de um mundo sustentável e na capacidade de medir e avaliar os resultados socioeconômicos.
Num primeiro plano, meus olhos se voltam para o movimento anacrônico do 'climatismo", que nega a análise científica dos problemas ambientais e, por extensão, a irrelevância dos modelos sustentáveis de desenvolvimento. No outro plano, reforço a crítica pela infeliz decisão de se abandonar a pesquisa censitária, atitude imprevidente que interrompe a pesquisa das séries de informações socioeconômicas. Com isso, perde-se na formulação de análises técnicas que poderiam ser essenciais para as políticas públicas.
Diante da gravidade das questões climáticas, nem seria necessário considerar este 22 de abril, dia dedicado ao planeta terra, para que se reconhecesse o momento delicado da política ambiental brasileira e seus inexoráveis impactos. Contrariando todos os princípios científicos que regem questões como desmatamento, emissões de carbono e temas associados, o governo fez uma aposta dupla por meio daquela convencional resposta ideológica que para tudo serve. Resumiu a grandeza e a complexidade do problema ao velho maniqueísmo, de quem se posiciona no oposto do seu lado político, justo por enxergar ideologia na consistência técnica do diagnóstico e da solução para as adversidades climáticas.
E coube mesmo essa resposta dupla, porque a inação dessa estratégia de governo serviu para rechaçar as iniciativas tanto para o meio ambiente como para o ofício diplomático. Nova reação comportamental que se veste das teses conspiratórias do vitimismo negacionista, mas que ao se despir por mera necessidade, só consegue expor para o mundo sua raquítica condição de pária.
Hoje, perdido num discurso contracorrente, sem a referência da idolatria trumpista e dessintonizado com as demais lideranças internas o país participa de um evento mundial propositivo, sem ter muito o que mostrar e dizer sobre preservação e sustentabilidade. De fato, pior que ter sustentado o apego ideológico como resposta foi assistir atônito aos dois outros movimentos. Primeiro, a renovação do protagonismo da causa ambiental a partir da prioridade conferida pelo Presidente Biden ao tema. Segundo, pela demonstração antecipada da maioria dos governadores e de parte substancial dos que fazem o PIB brasileiro, de conferir às questões ambientais compromissos preservacionistas.
A realização desse encontro de líderes mundiais, já denominado de cúpula do clima, acontece numa situação em que o Brasil parece estar à beira de uma penitência, enrolado nas suas culpas. Só que fraquejado na sua cúpula impertinente e no seu clima inconsequente.
Por seu turno, o ambiente dos que fazem e precisam fazer uso das informações derivadas da pesquisa censitária também se encontra fragilizado. Parece-me inacreditável que uma pesquisa que se faz por décadas possa ser interrompida, justo no momento em que as políticas sociais se mostram ainda mais vitais. Isso se confirmou com o corte orçamentário do IBGE de R$ 2 bilhões para irrisórios R$ 75 milhões. Ou seja, num momento crucial como esse, retirar prioridade do Censo não representa apenas negar e esconder informações. É também ignorar o futuro pelo próprio descrédito que se reserva ao planejamento. Faltou bom senso ao governo nessa decisão de deixar o país sem censo.
Assim, a ciência segue sua sina de manter paciência diante de tanta inconsciência. Até quando?