EUA: Lições Atuais Extraídas de uma Sociedade Fortalecida num Dualismo Estrutural
A Essência de um Protagonismo que se Projeta para o Mundo
Nunca viajei para os EUA, para ficar por tanto tempo. Apesar de um início de viagem com uma certa virose, que me deixou metade do tempo fisicanente fragilizado, foram pouco mais de três semanas, suficientes para ir além do lazer. É que dediquei boa parte do tempo para refletir sobre a sociedade americana, com um olhar mais aguçado para algumas questões socioeconômicas que me chamaram mais a atenção. Farei aqui, nessa volta da coluna, uma análise sucinta do que pude julgar como um breve extrato do atual "modus vivendi" dos americanos. Minha referência comparativa vem da impressão que tive das visitas anteriores (a última foi na passagem de 2019/20, um pouco antes da pandemia), além de tudo que temos acompanhado e projetado, com base na diversidade das informações que nos cercam, das mais variadas fontes.
A primeira e mais enfática das constatações me parece ser uma evidente consagração de um dualismo ao extremo que, infelizmente, paira por todos os quadrantes do mundo. Diferente do meu esforço semanal, que tento assegurar aqui na coluna, muito pouco ou quase nada, assimila a tese do "nem 8, nem 80". Pelo contrário, tudo parece fazer o eixo girar nos extremos: se não for no 8, certamente, que o giro se dá no 80. O reflexo dessa polarização aguçada não está apenas nos preceitos políticos que advêm de democratas ou republicanos. Está mesmo na base de uma sociedade que restaura e evidencia questões estruturais. Tudo onde seja possível tratar pelos extremos.
Em síntese, o que pude ver, nas mínimas questões, foram gestos e atitudes exarbados, de uma sociedade que, em boa parte, exagera no seu individualismo atávico, num supremacismo desdenhoso, com rasgos de preconceitos até escrachados. Enfim, velhas questões estruturais voltaram à tona, após um certo período de hibernação com letargia.
Neste particular, do realce que dou para tal momento da sociedade, atenho-me, no meu "laboratório particular de cronista social e observador", à bela e hipercultural cidade de New Orleans. Minha ideia inicial de vê-la como mais humanista (tanto quanto a californiana San Francisco) foi, de certo modo, frustrada. Por mais que a alegria e o entretenimento continuem como essências da cidade, uma certa dose de irritação pairava no ar, aqui ou acolá. Mais gritante foi registrar o distanciamento social dado pelas questões raciais. Por mais que visse esse quadro na Flórida, Geórgia e nas Carolina do Sul e do Norte, achava que o "jeito de ser de New Orleans" fosse capaz de me trazer uma impressão mais integradora sob o ponto de vista das relações sociais e, em particular, interraciais. Pelo contrário, vi a maioria dos negros em postos de trabalho inferiores (pelo viés da renda), o que me passou uma sensação de que não vivem tão felizes assim. Em muitas ocasiões, agiram de modo irritado, sem dar aquela impressão de que o astral de New Orleans imprimia "aquela tal felicidade" como um padrão. Ou seja, que o traço de felicidade que se transmite da sonoridade do jazz ou blues, ouvido e visto no bairro francês, pudesse garantir uma certa "felicidade interna bruta" medida pelo nível do bem-estar. Assim, da condutora do bonde ao atendimento num hotel ou restaurante (com a maioria negra empregada), faltava aquele sorriso estampado no rosto. Aliás, vale dizer, que não foi diferente com a minoria branca, que também agiu tão ou mais irritada no seu jeito de lidar. Em especial, com estrangeiros.
Claro que por trás disso tudo, deve-se considerar uma economia que há tempo tem-se pautado por incertezas nos mercados, pressão inflacionria e falta de melhores oportunidades de emprego, justo para a maioria dessa população. Prato cheio para que as polarizações desses temas ganhe força no campo político, com a evidência de conflitos e situações inusitadas. Entender essa lógica, que pôs até sob risco tudo aquilo que os EUA vendiam como um instituto inabalável (a democracia), tem instigado muita complexidade, seja qual for a análise sobre o que tem-se passado com a sociedade americana nos últimos anos.
Por fim, um registro alvissareiro. Contra esse ambiente de preconceitos gerais, pude ver que o etarismo não contagiou a dinâmica do mercado de trabalho. Pelo envelhecimento natural da população e, até mesmo, pela oferta de oportunidades para postos de trabalho cobertos por salários menores, pude ver muitos idosos em pleno ofício, contribuindo para a formação da população economicamente ativa. Uma circunstância pouco comum nos mercados de trabalho daqui. Seja pelo interesse de muitos de não abrirem mão de uma aposentadoria juvenil, ou mesmo, pelo preconceito de se achar que a chamada "terceira idade" seja capaz de atuar com produtividade.
Com olhos atentos à atual dinâmica da sociedade, foi assim que pude extrair algumas lições dessa minha viagem aos EUA.