Inovações e Oportunidades que Transformam a Economia da Cultura
As Novas Tendências dos Negócios no Segmento Audiovisual
Ainda trago na minha lembrança uma mera passagem que se deu num voo de Brasilia para o Recife, nos tempos que estive como Secretário no Ministério da Cultura. Tive agora a necessidade de trazê-la para este texto, na simples intenção de torná-lo mais palatável, quanto à sua compreensão.
Naquela oportunidade, ao entrar no avião e me deparar com a gentileza de uma componente da tripulação, pedi-lhe para me servir um copo d'água. De pronto, ela assimilou minha solicitação, como a completou com uma voz firme e segura: "claro, pois esse é o produto mais consumido a bordo".
Elegantemente, reagi à sua afirmação. Afinal, tive que negá-la não só por dever de ofício, mas por uma realidade implacável, na qual a inovação tecnológica já se revelava determinante. Disse-lhe, então, que nos dez mil pés de altitude de segurança do voo em curso, cabia-me uma atitude de confiança do técnico em cargo. Portanto, não se tratava de algo sutilmente mais oferecido. E sim, de algo visivelmente consumido. E que nada tinha a ver diretamente com os serviços do voo.
Assim, justo no momento da atenção geral a bordo, fiz valer àquela aeromoça minha premissa. Na minha contundência explicativa, mostrei para ela que o produto mais consumido a bordo era o audiovisual. Não precisava mais do que direcionar os olhares para as poltronas e delas já entendê-las como se estivéssemos diante de uma sala de cinema. Computadores e aparelhos celulares davam provas da diversidade de telas, onde os conteúdos produzidos pelo setor audiovisual estavam em pleno consumo. Muito mais do que os copos d'água ofertados. Ambos, com recursos econômicos maximizados, claro.
Assim, o fato curioso que está por trás dessa minha evidência tem a ver com uma certa persistência, para um simples entendimento. Ora, se tantas pessoas num voo consomem à beça conteúdos audiovisuais, por que alguns insistem em continuar a entender esses produtos, sem que o valor econômico das suas expressões seja considerado? Será mesmo que há na sociedade quem esqueça dessa régua e ache que a mobilização de recursos para produção seja por puro entusiasmo e diletantismo?
Não bastasse o fato de que parte da sociedade assim continue a enxergar o audiovisual, o mais curioso é também a insistência por uma oferta de conteúdos que não diz respeito à realidade social brasileira. Há, portanto, quem queira consumir, com base mas audiências medidas, que a essência da identidade nacional possa ser representada pela classe média/alta do Leblon ou pelo padrão de vida comunitária de Paraisópolis. Essa postura no trato de parte dos conteúdos nacionais afronta a própria diversidade, tão exaltada como elemento identitário. É nesse sentido, que movimentos regionais são muito bem-vindos, uma oportunidade de negócios que já se vislumbra pela inovação dessa transição entre o mundo audiovisual clássico (da TV aberta ou por assinatura) para as plataformas de streaming.
É na união desses pontos que exalto a visita técnica que fiz ao grupo gaúcho da Box Brazil, quando estive nesta semana em Porto Alegre. Lá pude ver de perto projetos de conteúdos audiovisuais que valorizam a diversidade (sobretudo, as identidades regionais), sem perder de vista as inovações que dão a soberania da escolha pelo consumo, como algo compatível com a nova realidade. Neste particular, é a forca do streaming guiando os novos rumos do padrão televisivo, que diante das regras da ANATEL e ANCINE, permitem que empresa e instituições possam ser "donas do seus próprios modelos audiovisuais".
A transformação no setor chegou, de modo implacável. Até para que a sociedade possa, enfim, entendê-la como agente produtivo de viés econômico. Tomara que sim.
* Conforme anunciei aqui, voltarei à coluna no dia 31, por razões pessoais.