Na catimba do orçamento, vagas para manobristas de fino trato

Na catimba do orçamento, vagas para manobristas de fino trato - Ilustração: Hugo Carvalho / Editoria de Arte/ Folha de Pernambuco

Faço parte daqueles torcedores que interpretam as astúcias dos jogos de futebol como inspiradoras das situações do cotidiano. Alguns poderão até dizer que isso seja um pretexto de quem se rende à preferência nacional por tal esporte. De fato, pela sua dimensão cultural, penso que seja possível considerá-lo como referencial de distintas análises, por mais simplista que isso possa parecer.  

Na semana passada, com quase 4 meses de exercício fiscal e nos "acréscimos de fim de jogo", o impasse orçamentário teve um mal resultado. Antes do apito final, consagrou-se um cenário onde os jogadores, os operadores que vestiam as camisas do executivo e legislativo, abusaram da "catimba". Embora esse artifício faça parte da malícia do jogo, não resta dúvida de que essa forma de jogar retira o brilho que dele se espera. Assim, se o alvo de conquistar o orçamento fez com que os manobristas de fino trato entrassem em campo, vestindo as camisas dos "velhos catimbeiros do antijogo", esse objetivo foi alcançado. Todavia, às custas de um "empate de zero a zero", que fez da partida uma mal jogada "pelada" de várzea.

Do que pude aprender com os que praticam a crônica esportiva às discretas análises econômicas que faço, vou agora aos fatos. O problema foi esse prolongado impasse orçamentário, num campo de jogo pautado pela inércia de uma crise fiscal estrutural, ainda não enfrentada com o devido zelo. Em adição, a interferência de uma crise sanitária que assumiu uma força  quadridemensional. O problema da saúde pública em si, alinhou-se então com outras três dimensões: social, econômica e política. Ou seja, sobre o clássico problema fiscal, a pandemia agregou quatro vetores de pressão sobre os gastos, com impactos brutais sobre o OGU 2021. Como exemplos: as vacinas (vetor saúde), os programas assistenciais (vetor social), as flexibilizações que favorecem as políticas anticíclicas (vetor economia) e as negociações em torno das demandas parlamentares (vetor política).

Diante desse quadro, só restou o desafio final para daí se ver a bola rolar. A proposta seria não furar os limites do teto orçamentário, diante do conflito entre a vulnerabilidade fiscal e a prioridade político-eleitoral. A solução foi adotar uma tática de fazer o jogo na catimba, que servisse à proposta de enganar as torcidas, tendo como meta  empates de "zero a zero" atípicos e apáticos.

Essas manobras do orçamento foram simulações muito bem "catimbadas".  Preservaram-se R$ 18,5 bilhões em emendas parlamentares que atendem às demandas de "campeonatos da várzea", no sentido de serem destinadas a obras eleitoreiras que agradam aos fiéis "torcedores da esquina". A armação encontrada foi escalar os que sabem tirar da jogada qualquer um que defendesse as verbas de custeio e investimento. Quem assim insistiu em querer jogar contra teve apenas a opção do "chuveiro dos vestiários" antes do tempo. 

Apesar dessa opção tática, a maior catimba foi tratar de modo combinado com o Congresso duas outras jogadas. Mesmo a pretexto das exigências financeiras que poderão advir do prolongamento da pandemia, agiu-se para que as despesas atreladas à crise sanitária pudessem não só ser reconsideradas dentro do teto de gastos, como desvinculadas do cálculo do deficit fiscal. Um truque contábil que revive os velhos tempos e revigora aquela inércia recorrente quanto ao enfrentamento da fragilidade das contas públicas. Por fim, noutra jogada, ratificou-se a necessidade real, vultosa e imediata de se aumentar as despesas, haja vista a falta de planejamento que ainda persiste na gestão da pandemia. Uma cancha de jogo que gera riscos de descontrole, seja pela insegurança da política sanitária (sobretudo, no controle social e na imunização), como pelo desvio ético que ainda resiste em certas situações gerenciais.

Até o final do ano, o campeonato do orçamento segue à mercê de jogadores que atuem como manobristas de fino trato. A regra agora é monitorar os riscos que evitem furar o teto dos gastos. Como no futebol, furadas não são jogadas ensaiadas. Cabem mais catimbas. E segue o jogo.

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