Na Volta dos Sinais Civilizatórios: O Resgate Imediato de " "Zé Gotinha".
Por que os Retrocessos na Saúde Pública Prejudicam a Economia?
Apesar de tantas barbáries e incredulidades que assustam até os racionais insensíveis, há um fato que me intriga e me instiga, ao mesmo tempo. Refiro-me à estupidez que hoje pauta o comportamento dos que negligenciam vacinas. Juro que imaginava a luta de Oswaldo Cruz como um importante e superado registro histórico. E que a reação dos que negavam vacinas fosse mera evidência de um tempo distante, devidamente vencido pelos valores do desenvolvimento científico e tecnológico.
Grave engano da minha parte. Tem sido um lamentável exercício diário de melancolia constatar um presente assustador e comprometedor. Revivem-se aspectos de um passado coroado por um obscurantismo demolidor, que expõe o futuro diante de um plano civilizatório arriscado, no propósito mais humanista possível.
A síntese dessa tragédia está na valorização do individualismo exacerbado, ditado por equívocos conceituais que garantem o ritmo e o tom da sociedade atual. Faz-se tudo em nome de uma liberdade escondida por trás de uma hipocrisia que, no fundo, rejeita qualquer sentido de ambiente coletivo. A proposta é confrontar o que precisa, de fato, ser tratado como algo público, em nome do interesse coletivo da sociedade.
Por mais nítido que seja o verniz filosófico, capaz de dar brilho à tese, esse embate tem lá seus efeitos econômicos. E aqui volto à origem da discussão, quando reponho toda minha indignação pelos movimentos, abertos ou não, que desestimulam as campanhas de imunização dirigidas para a saúde pública. Não fosse o lamentavel episódio exposto pelo poder exterminador da pandemia, outras manobras que promovem o descaso geral com as vacinas causam espanto. E o pior desse contexto está na extensão desse desapego, justo diante das crianças. Mais do que externar qualquer incompreensão sobre o "sequestro" do simpático Zé Gotinha, de tantas campanhas vitoriosas, está a gravidade da aposta no risco sanitário. Será que essa visão estreita da liberdade de escolha sobre vacinar ou não, condiz com a quebra de uma cultura de "cobertura vacinal" que sempre produziu méritos e conquistas?
Francamente, depois de tudo que foi arduamente alcançado pelo SUS, nos seus Planos Nacionais de Imunização, assistir ao risco de retomada de tantas doenças infantis já controladas é a representação indesejada do universo kafkiano. Esse discreto ensaio de infanticídio, prolongamento desse descaso do pleno negacionismo, é algo intolerante para minha cognição. Justo no momento em que se discute o papel da educação como dínamo de outra engrenagem de desenvolvimento, retirar as condições sanitárias de tantas crianças em idade escolar é comprometer ainda mais o futuro. Ademais, isso ainda põe em descrédito todo um esforço articulado e integrado, capaz de dar maior sentido de eficácia para a política social. Ignorar essa conexão do bem estar social com um modelo econômico que se coloque bem mais sustentável representa hoje um retrocesso, em forma de perda de energia favorável.
Diante desse breve exemplo de negligência com a saúde pública, faz-se necessário recolocar o embate ideológico acalorado, noutro nível, com civilidade e humanismo. Não se pode aqui se descer ao nível de uma histeria liberal, a ponto de se tratar uma política pública necessária como algo de um intervencionismo deletério. Afinal, até no rigor dos valores filosóficos liberais, política social bem definida no conceito, daquilo que não cabe ao privado executar, tem sua defesa.
Será que saúde pública em dia é algo que não diz nada para a produtividade? Quem pensa em economia precisa avaliar esse nível de resposta.