Numa Rota de Turbulências, Como Agem a Torre e o Piloto?
Na cabine de comando de uma aeronave, mesmo que cercado por instrumentos de navegação tecnologicamente avançados, nem sempre o piloto irá contar com tranquilidade em voo, o chamado "céu de brigadeiro". Nas rotas traçadas é bastante comum pontos de turbulências, superáveis ou não, a depender de circunstâncias impostas por um elenco de distintas variáveis.
A construção dessa parábola cabe bem no nosso observatório econômico, muito embora os riscos derivados de alguma falta de controle sejam bem menores no exercício da aviação. No entanto, vale dizer que do ponto de vista das expectativas que pairam no cotidiano dos mercados, a economia não se mostra afeita às curvas ou aos ziguezagues de comportamento dos que lhes dão comando. Ou seja, a realidade econômica se mostra sensível a qualquer incontinência verbal fora de propósito.
Diante de tal quadro, é preciso ser linear, agir com inteligência emocional e abusar de uma retidão indispensável, tudo numa sintonia próxima da perfeicao, entre o líder político e quem comanda o ministério responsável. De volta à analogia com a aviação, torre e cabine agem pelo entendimento, pois precisam falar a mesma língua, sob pena de por em risco a aeronave e os passageiros a bordo.
No entanto, nada é tão ruim que não se possa piorar. Qualquer modo simples de observação panorâmica confirma essa marcha da insensatez promovida pelos protagonistas de um caos econômico prenunciado. Por isso, torna-se fácil entender que o momento econômico atual está lastreado por atitudes que só fomentam a própria grandeza dessa instabilidade. É como se redescobríssemos um revigorado moto-contínuo, capacitado para gerar e alimentar apenas turbulências diárias. É isso mesmo: haja pânico na bolsa, na Faria Lima e nos segmentos econômicos correlatos. Afinal, o botão da "máquina de fazer crises" tem-se mantido insistentemente ligado.
Justo por ser tamanho imbróglio um exercício recorrente, a economia segue fragilizada e os agentes produtivos operam na aridez da insegurança, contexto que consignará o mês de setembro como uma "primavera perdida", de traumas profundos nos mercados. De fato, o negacionismo latente e os ataques às demais instituições da república extraíram o resto de ânimo sobressalente, num ritmo capaz de abalar as bolsas, além de empurrar o câmbio para patamares maiores de desvalorizações do real.
Se não bastassem os efeitos deletérios causados pelas incontinências verbal e digital do chefe de governo, fatores exógenos eventuais surgiram no horizonte, como foi esse episódio do provável calote da empresa chinesa. O fato é que de bomba em bomba para desarmar, o tempo voa alto e só ajuda a ampliar as perdas. Na quarta-feira passada, por exemplo, foi a vez do Banco Central avançar no seu isolado esforço de combater a inflação, quando seu comitê definiu por aumentar em um ponto a taxa de juros. Mais turbulências em rota.
Assin, com todo esse repertório de sobressaltos sobre a rotina econômica do país, o que se pode contar como um plano de voo, independente dos riscos pontuais dessas turbulências, é sempre uma incógnita. A torre parece não considerar as instruções como vitais, porque não esconde que a aeronave de interessa é outra. Na cabine, piloto e tripulação, sem a sintonia com a torre, exercem todo seu diminuto conhecimento da máquina. Os passageiros seguem atônitos, sob tensão de pouso forçado ou algum indesejado incidente que os ponham sob risco de sobrevivência.
Como o piloto (ainda) não sumiu, o consolo é apelar por um aeroporto mais seguro, que sirva para um pouso de emergência. Seria como uma anestesia adequada para esse momento tão cirúrgico. Só que, uma vez em solo, essa convalescença equivale administrar o avião no pátio, até que se mude os integrantes da torre e da tripulação. Daí, o plano é submeter o avião à solicitude das provas de manutenção. E rezar por voos mais seguros em 2023.