O Alerta da Indignação
Os Entraves Socioeconômicos Impedem Avanços Civilizatórios
Três sinais de alerta, na forma de indignação cidadã, mexem com meu senso humanista. Por mais que muitos ainda cosigam enxergar os economistas como frios tecnocratas.
Tolerar a "indigestao" dolorosa que se extrai do mapa da fome, em pleno século XXI, representa - de longe - a maior de todas minhas indignações. Adiciono a ela outra tolerância, no sentido de assistir à repetição da "eterna" prioridade que se reserva à educação, que continua por seguir sua marcha, como se fosse um mito inalcançável. E, finalmente, poder registrar a falta de saneamento básico como mais um dado inaceitável da dívida social, algo que retira o mínimo da dignidade humana, por mais simples que seja o exercício digno de uma verdadeira cidadania.
De fato, não consigo conceber essa dinâmica cruel que, nas situações de fratura na política social, consagra um padrão de insegurança alimentar, justo numa das maiores economias do mundo. Por mais que o problema seja estrutural, ditado pela desigualdade na renda, creio que ainda nos falta uma certa transversalidade nos objetos das políticas públicas que tratam do social e do abastecimento interno, na forma de um acesso mais equilibrado, barato e sustentável dos alimentos. Seria por em melhor harmonia as políticas social e agrícola. Afinal, não me parece nada razoável ser o Brasil o maior produtor de alimentos do mundo, sendo que dezena de milhões de brasileiros ainda sobrevivem sob o risco implacável da fome.
Também me causa indignação continuar sob o manto do falso discurso criado em torno da prioridade reservada à educação. Entre discursos inflamados, planos empolgados e governos renovados, o mantra da educação nunca trouxe mudanças que pudessem transformar a cidadania em avanços civilizatórios dignos. Sem que grandes conquistas cognitivas, tecnológicas e culturais quebrem os gargalos estruturais da sociedade e ampliem seus tentáculos para a maioria da população, não haverá como se ter os ganhos de produtividade tão necessários à sustentabilidade do desenvolvimento econômico.
Um último aspecto que ainda me mantém indignado é também estar em pleno século XXI e observar que o Brasil sustenta uma estatística melancólica em termos de saneamento básico. Com base no que nos revelaram os dados censitários de 2022, quase 50 milhões de brasileiros (cerca de 25% da população) seguem sem acesso a uma estrutura mínima de saneamento básico. A omissão política por negar obras públicas que ninguém vê (e não se traduz em votos), torna visível outra fratura social, que não só se traduz na indecência do tratamento dos esgotos, na ausência de abastecimento d'água e na displicência com o destino do lixo urbano. Neste caso, é também a negligência por se desconsiderar todo impacto que o saneamento gera, em termos de saúde pública e meio ambiente.
Registro, assim, que ao final do terceiro trimestre do ano 24 do segundo milênio, passados quase 1/4 do século XXI, sinto-me indignado por assistir o quanto ainda não avançamos, na direção do que seja um mundo civilizado. Independente do que represente o humanismo numa discreta consciência coletiva, manter-se vivo um quadro que expresse ainda tais condições sub-humanas, parece-me algo que merece toda indignação. A minha, com certeza.