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O auto-engano na educação persiste e resiste: até quando?

Friedrich Nietzsche ganhou popularidade na filosofia, por conta do seu estilo aforismático, de construir frases de efeito, que têm arrebanhado muitos seguidores, mesmo quando polêmicas. Há no seu portfólio um manifesto bem atual que me chama atenção: "a principal mentira é aquela que contamos para nós mesmos". Neste exemplo nietzschiano, bem mais que relevar o papel da mentira, é poder vê-la refletida em si mesmo. Desse modo, ela se revela como uma essência do auto-engano.

 

Já expus aqui que esse atributo é o maior desafio ético da sociedade brasileira. Para melhor compreender tal argumento, inspirei-me na obra filosófica de Giannetti e ainda busquei outros subsídios cognitivos na literatura. Neste caso, como exemplo, usei personagens criados por Machado de Assis a Nélson Rodrigues, uma vez que traduziram um realismo nos seus comportamentos, suficiente para contrariar alguns mínimos princípios civilizatórios. Entre o esperto e o canalha há muito o que dizer, nesse auto-engano tão exercitado pela sociedade brasileira.

 

Trazendo esse ponto para o plano das políticas públicas, nada mais evidente que validar  o exercício do auto-engano, quando o assunto é tratar a educação como uma prioridade. De fato, dez entre dez políticos (ou mesmo, meros cidadãos) não abrem mão da educação como atividade essencial, enquanto investimento capaz de transformar a sociedade.

 

Acontece que a chamada "obsessão educacional" é uma espécie de vetor de aparência. Em termos pragmáticos, nada é mais aplicável àquela distância estabelecida entre o que se fala e o que se faz, quando o assunto é expor a educação como prioridade. Enquanto os discursos se perdem e os mandatos são cumpridos, o tempo desperdiçado em inações só revela o quanto o quadro pouco ou nada se alterou. Vale dizer que faço tamanho destaque a esse contexto, independente de esferas de governo ou posturas ideológicas. Por mais lamentável que seja, o Brasil é uma referência de insucesso na questão educacional. 

 

Agora mesmo, em pleno transcorrer de uma pandemia também cruel no seu impacto sobre a educação, o governo brasileiro optou por compor o grupo das nações que não destinou recursos orçamentários para nenhum segmento do ensino, conforme relatório "Education at a Glance 2021", elaborado pela OCDE. Neste caso, a prática governamental recorrente, de apostar no obscurantismo, vem corroborar a tese de que a educação foi mero exercício de retórica. E pior: com outros agravantes devido ao ideário conflituoso do governo.

 

E agora? Por que a educação fica sujeita a tanta protelação? Dá para acreditar na sua força transformadora numa sociedade que pratica o auto-engano? Pelo visto, temos um desafio histórico ainda por superar, que me parece envolver aspectos culturais e estruturais. Por um lado, uma espécie de acomodação e tolerância naturais, que atuam no sentido de não favorecer qualquer autoridade e liderança, minimamente suficiente para promover a transformação. Em complemento, gargalos estruturais reforçam essa tendência, na forma de resistências e interesses diversos, bem como, os exemplos pétreos derivados da displicência demográfica e da desigualdade social. Essas, velhas marcas impregnadas no quadro socioeconômico  brasileiro.   

 

De modo efetivo, fazer acontecer uma "obsessão educacional", que persiste nos discursos da política e resiste nas respostas da prioridade, ainda representa uma via inquestionável. No entanto, é preciso coragem para romper com tabus e práticas autocratas. Dado que o caos educacional tem muitas variáveis explicativas, faz-se necessário ir ao foco com discernimento, na condição de favorecer o aprendizado como fonte de conhecimentos, informações e valores, plenamente sintonizados com o mundo. E essa obsessão precisa ser operada na base, pois sem um olhar especial para o ensino infantil e fundamental, nada mudará.

 

Na linguagem do economista, isto é formar o estoque de capital mais relevante: o humano. A criatividade e inovação que dão sentido ao mundo atual prescinde dessa decisão. Ou seja, a prioridade de se investir na educação só se faz efetiva quando sair do papel e do discurso político estéril. Daí se espera o poder das lideranças, que possam ser mesmo capazes de transformar a velha realidade em algo novo.

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