O impasse entre o racionalismo econômico e o social-desenvolvimentismo
O paradoxo do pragmatismo: os frutos da estabilidade não impediram a inflexão política
Foi exatamente isso. Não valeram os esforços iniciais para que o país revelasse para todos (os daqui e os de fora) que a maturidade política havia considerado os rigores técnicos derivados das discussões econômicas. Houve espaços para a pactuação de uma convergência historica construída em 2002 e arrastada até onde se pode suportar, precisamente, os primeiros meses de 2005.
Nesse contexto, o velho impasse entre a extensão do controle fiscal e o imediatismo do ímpeto de avançar nos gastos públicos foi fato recorrente. Mesmo assim, prevaleceu um certo paradoxo, que derivou do pragmatismo emanado daquele pacto. O que se viu foi o governo colher os frutos de algo que se negava a plantar antes daquela carta de Lula dirigida à sociedade brasileira.
Em síntese, a experiência revelou que o teor do compromisso expresso na carta e a transição respeitosa das equipes de Malan e da dupla Palocci/Meirelles foram pontos decisivos para se segurar os indicadores macroeconômicos. Isto posto, comsidere-se que nesse mesmo período, os fatores externos jogaram a favor da política econômica então continuada pelo governo Lula. À recuperação e retomada do crescimento mundial, somou-se o boom das commodities, bem explicadas pelos países asiáticos. Euforia na veia.
No entanto, cabe enfatizar que tão bom exercício civilizatório de reconhecimento técnico e democracia politica representaram um processo contínuo de ajustes do Plano Real, iniciados em 1998, com os primeiros sinais de riscos sobre a estabilidade monetária, fiscal e cambial. Lembro aqui do esforço dedicado para equilíbrio fiscal e monetário, além do ajuste extensivo aplicado ao balanço de pagamentos, tudo execurado por meio de medidas relacionadas com as dívidas dos estados e municípios, a reorganizração do sistema bancario público e privado e a execução dos preceitos da Lei de Responsabilidade Fiscal. Uma sequência de medidas que proporcionou a geração de uma tripla estratégia de política, que ainda ousa resistir, apesar da sinuosidade das intervenções econômicas dos governos Dilma e Bolsonaro. Refiro-me ao superavit fiscal primário, às metas de inflação e ao câmbio flutuante.
Aconteceu que a inflexão dessa estratégia se mostrava à vista. Em 2005, até que houve um breve ensaio de ajuste fiscal para o longo prazo, algo que foi suprimido gradualmente pela imposição das questões políticas. No bojo de uma crise que atingiu em cheio o núcleo dirigente do PT e que deu início a uma fragilização do Presidente, tornou-se oportuna uma solução política diferente. Conquistou-se a prevalência de uma estratégia que, no texto de apresentação do livro de Malan aqui referenciado, Bacha chamou de "social-desenvolvimentismo". Com isso, a proposta de estabilidade fiscal foi abandonada. Um novo alinhamento político em torno de outro modelo de crescimento, com impulsão dos gastos públicos e que não pusesse em risco a manutenção do poder, tornou-se inevitável. Sai de cena Palocci e o comando da economia vai para Mantega. Em paralelo, cresce também o poder político de Dilma (que transitou do Ministério das Minas e Energia para a poderosa cadeira da Casa Civil). Logo, foi-lhe atribuída a missão de gerir, com coração maternal. o então Plano de Aceleração do Crescimento (PAC).
Passou a ser uma questão de tempo o quanto a aposta pela retomada gradual do desmantelo com as contas públicas foi prejudicial.
Seguirei com a análise a partir desse ponto, no próximo texto.