O papel do estado e o canto do uirapuru são lendas em comum
As contradições das ideias sobre privatizações e congelamentos só (des)encantam
Reza a lenda que o uirapuru é um pássaro muito especial, justo por sua capacidade de expressar uma certa magia. Por isso mesmo, quem o encontra pode ter um desejo realizado, o que faz desse pássaro uma referência de plena felicidade. Talvez essa virtude tenha sua origem na raridade que é se ouvir o canto do uirapuru. Afinal, esse momento melódico só ocorre no período de 15 a 20 dias por ano, exatamente na atividade de preparação do ninho.
De certo modo, entendo que essa parábola pode explicar um comportamento bipolar, que emana do ministério da economia. Algo que expõe as contradições, entre os que tiveram a formação e o exercício do ideal liberal, mas que foram capazes de se render aos apelos eleitorais e populistas. Tudo em nome de aberrações intervencionistas. Tão ou mais contraditório que entender a dessintonia ideológica entre as figuras de um presidente intervencionista e seu ministro liberal, é perceber que as respectivas contradições consolidam fatos reais. Afinal, cada vez mais a essência de cada parece ser raridade diante de posturas desalinhadas . Tal e qual o canto do uirapuru se revela como algo raro.
Diante disso, que se comece a parábola pela contradição das privatizações. Pauta bem comum aos liberais da equipe econômica, muito embora vista com enorme desconfiança por um chefe de executivo de formação nacionalista e corporativista, bastante suceptível ao viés populista. Foram 3 anos de insucesso com o tema. Contudo, bastou o processo eleitoral mostrar a cara, que o pêndulo presidencial fez seu comandante assumir um impróprio pseudo liberalismo. Pura conveniência, para quem só quer conquistar votos junto aos agentes do mercado e resilientes liberais, justo os que ainda crêem no embuste que se tornou esse governo. Mais fácil alcançar a sonoridade melidiosa do canto do uirapuru que acreditar numa genuína conquista liberal. Ou mesmo, reconhecer-se o abandono do sentimento presidencial pelos suas nandeiras - do nacionalismo e corporativismo.
Uma outra parábola atual une essa falsa intenção privatizante com o ímpeto populista de intervir nos preços dos combustíveis. Um tema que, ao atingir em cheio a rainha da corte (a PETROBRAS), parece dar mais brilho aos embates. Trazer à tona a privatização da poderosa estatal em fim de mandato e em período eleitoral, ao unir os distintos discursos entre liberais e nacional-corporativistas do governo, não deixa de esconder a controvérsia de origem entre esses pares. Então, haja registros de cantos do uirapuru, porque se tornaram raridades o equilíbrio e a sensatez. Em especial, na hora de defender os ideais e implementar as propostas. Com ou sem a fachada do liberalismo ou intervencionismo, o desafio de privatizar a PETROBRÁS é simplesmente complexo. Fazer uso dessa estratégia como pretexto para baixar preços agora é mero debaneio e engodo. Da mesma forma que o discurso contrário, de certas lideranças oponentes, para as quais o verbo "reestatizar" se conjuga com muita simplicidade.
Por fim, a mais surpreendente das revelações: o ministro Guedes insinuar, sem escrúpulos e em forma de apelo, um pacto pelo congelamento momentâneo dos preços. Se toda forma de amor vale à pena e que seja infinita enquanto dure, liberal dizer "eu te amo" para o congelamento de preços é o "fim do mundo". Mas, em nome de um esforço pelo êxito eleitoral, agir como coadjuvante do populismo deixou de ser raridade. Desse modo, o incomum uirapuru vira aquele pardal que pousa em muros à vista.
E, assim, o Brasil segue seu ritmo de contradições e improvisos.