O Tempo e o Desapego
De Que Forma Essas Variáveis Podem Influir na Análise Econômica e Política?
Nesses dias de pausa com a coluna, optei também por refletir, observar e praticar sobre ações as mais diversas. Dessa maneira, vi-me também em tempo passado. Nesse roteiro, fiquei envolvido pela variedade de cores que, através do jogo de espelhos, promovia o brilho psicodélico daqueles caleidoscópios, que tanto me seduziram nos tempos de criança. O plano A das boas percepções.
No entanto, enquanto plano B, fiz tal ensaio sem perder de vista um gosto pétreo pela essência genial da literatura machadiana - a de enxergar e ler a realidade cotidiana. Nisso, os espelhos do meu objeto de lembrança e sedução se portavam à semelhança de um rijo espelho, tal e qual usado pelo arguto e casmurro Jacobina. Tanto quanto exprimiu o conto, tentei na minha modesta parábola, ensaiar a dualidade da alma ainda impregnada nos brasileiros, algo atual e bem presente na história de nossa sociedade.
Quem me lê agora, deve estar a perguntar: e ai? O que isso tem a ver com economia? Bem, para evidenciar os efeitos colaterais de situações que parecem inapropriadas para as frias análises econômicas, o leitor que me acompanha sabe que costumo insistir com temas do cotidiano, como referenciais. Neste caso, por meio de misturas capazes de extraírem e revelarem os velhos "segredos de liquidificador ", como cantava Cazuza. Explico os fatos, a partir de duas observações bem particulares e distintas.
A primeira tem a ver o tempo, por mais que esse mesmo poeta lhe seja implacável, a ponto de tê-lo reconhecido como aquele "museu de grandes novidades, por ver o futuro repetir o passado". Assim, ao dedicar parte do meu tempo para pensar nele mesmo, percebi que o passado só me assustava enquanto achava que o meu próprio tempo estava por passar. Coisa que além de Freud, só a idade explica. Acontece que mais relevante que isso (ainda bem), nos rigores do "senhor inventivo e contínuo, como está lá na poesia de "Oração ao Tempo", do mestre Caetano, parece que pouco se tira dele as lições para mudar. Fazer diferente. Oxigenar ideias. Renovar. Foi com toda minha "paciência", "seguindo na valsa" e com o plágio aberto das letras (agora de Lenine e antes do próprio Cazuza), que me vi emparedado: o tempo realmente não pára. Seguem incólumes apenas as emburrecidas mesmices.
A segunda observação decorre do que pude extrair de mensagem temporal, ao assistr um filme brasileiro recém-lançado: "Desapega", do diretor Hsu Chien. No bojo de uma simples proposta de entretenimento audiovisual, uma mensagem de largo espectro sobre a dificil arte de desapegar. Cabível como resposta a tudo aquilo que proporciona algum modo de incômodo, de pequena a grande escala. Portanto, cabe tambémna forma de pensar e agir, na política e na economia.
No meu tão particular exercício de propor a mistura das lições do tempo com o desapego de conceitos estéreis, surge o caldo daquilo que deixou de ser, ao meu modo de ver, os "segredos de liquidificador". É nesse ponto que preciso inserir toda inércia que tem dado sentido aos agentes da política e da economia. Noutras palavras, diante da oportunidade temporal de se rever conceitos e definir posições sobre esses temas, a ressaca carnavalesca parece não ter revelado ainda o caleidoscópio das sobriedades esperadas. Os desencontros internos, entre os que tentam fazer a política econômica girar a seu favor e alguns protagonistas políticos que tentam o giro contrário, expõem agora o tom do desgaste. E da perda de tempo.
Mais preocupante ainda é constatar que nesse nó todo o desapego passou por longe. Há quem ainda insista no "museu de grandes novidades", no qual as injunções de palanques teimosos tentam falar mais alto que as imposições de técnicos cautelosos.
O tempo segue sua trajetória muitas vezes perdida. E o desapego que faz da mudança algo improvável ocupa seu espaço vitorioso. A mistura da política com a economia parece se dirigir para uma distopia. Será que reciso usar meu tempo melhor e desapegar de outras situações?