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O Trenzinho do Caipira Foi Politizado

A Saga do Descontrole Fiscal Segue Viagem nos Vagões da Vinculação dos Gastos Públicos

Alfredo Bertini, economista e colunista da Folha de Pernambuco - Acácio Pinheiro/MinC

Nas minhas primeiras audições dos clássicos brasileiros, encantei-me com a sonoridade da composição musical de "O Trenzinho do Caipira". Fruto da obra genial de Heitor Villa-Lobos, que foi parte integrante da peça "Bachianas Brasileiras número 2", sua marca foi simular uma locomotiva em movimento, através da harmonia instrumental de uma orquestra. 

Inspirei-me nessa lembrança cultural para também exercer uma modesta simulação. Trata-se de uma velha questão econômica, bastante politizada pelos extremos ideológicos, que tem sido alvo de constantes debates e desgastes.  Refiro-me ao polêmico tema do controle dos gastos públicos, algo que está no epicentro de uma tempestade, que transformou esse debate econômico numa polêmica resiliente e intransigente. Pelo menos, há quatro décadas.

Na minha parábola, o "Trenzinho" que se revela de uma forma melodiosa representa o lado humano inspirador, que me toca e me faz comover. O "Trenzinho" que se atreve na política numa linha insidiosa, representa o lado humano inquisidor, que me choca e me faz demover. O traço ingênuo do ser "caipira" transparece que a locomotiva é pura utopia. O jeito convencional de exercer a política transmite que a locomotiva é mera distopia.

De fato, o que quero dizer com isso? Onde pretendo chegar? Simples assim: a resistência histórica por não se controlar gastos, mais do que embates políticos e ideológicos, parece mesmo ser uma questão atávica. Está no DNA.

De fato, cada vez mais se constata, no cerne de quem propõe e executa políticas públicas, uma rígida propensão a gastar. Algo que retroalimenta o pretexto de um falso dilema, que só esconde a efetividade de cada centavo contabilizado como despesa pública. Notabiliza-se a expressão quantitativa do descompasso fiscal. Esquece-se a dimensão qualitativa do que pode ser extraído do desequilíbrio entre receitas e despesas públicas.

Para um extremo, gastar é pecado (para o) capital, pois nas trilhas econômicas a locomotiva deve se deslocar com o mínimo de vagões. No outro extremo, estes seguem firmes, mas costumam contar com muitos outros, conforme o tamanho dos interesses. Neste caso, a tese é que a locomotiva suporta, pois foi feita para isso. 

Nem 8, nem 80. A "mão invisível" do mercado não faz com que o "Trenzinho" opere tão bem, com a dispensa de vagões. Com estes acima do nível que faz o maquinista operar com segurança, há riscos do "Trenzinho" descarrilar. Mesmo que ele assuma que o Brasil é dado pelo improviso, age-se numa ferrovia como nada sendo provisório. Ou seja, uma vez posto um vagão no trilho, ele se eterniza no percurso. 

Objetivamente, cortar gastos na economia brasileira não é simples ofício quantitativo. Com tantas vinculações, é preciso coragem para se apoiar no qualitativo. Provar-se até onde o gasto gera benefício público. Ousar e seguir nessa linha, como um "Trenzinho" sob controle. Do contrário, melhor ouvir o similar de Vill-Lobos.

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