Os males da crise fazem a política acionar o "Modo Transferência de Culpa"
O "jeitinho" que ignora a responsabilidade de uma política pública
É incrível verificar o quanto se repete nas crises uma velha prática, que parece "esporte de preferência nacional". Refiro-me à transferência de culpa ou responsabilidade, um gesto tolerante no seio da sociedade e que ganha musculatura no ofício político. Com graves efeitos na economia.
De fato, essa tolerância faz com que alguns queiram imputar a prática como mais um 'jeitinho brasileiro de ser". No entanto, isso apenas representa um jeito estúpido de exercer a mais canalha das ignorâncias, como diria um bom rodrigueano. Afinal, um dos graves defeitos humanos está no ato de retirar dos ombros toda responsabilidade por escolhas erradas. Afinal, se o compromisso pelo discernimento precisa ser assumido na sua inteireza e em nome de decisões responsáveis, a minima dignidade sugere que o ser humano afaste o temor de assumir suas imperfeições, sobretudo, diante de escolhas erradas.
Esse tipo de postura ganhou viço, na proporção direta da dimensão alcançada pela atual crise brasileira. No cerne dos erros não assumidos das políticas públicas, tornam-se mais claras as indesejadas consequências sobre a economia. Entre algumas, destaco aqui dois fatos políticos recentes, que se somam ao conjunto de outros velhos equívocos.
Entre erros e omissões que se têm assistido, a humildade do reconhecimento inexiste e daí o que resta é tão somente soberba. Como consequência dessa pandemia, vieram à tona os fiascos que explicam o comprometimento do nível da atividade econômica e o risco de uma alta geral de preços, esta já em ritmo de aceleração..
Sobre o nível de atividade, a práxis adotada - desde o início da pandemia - de transferir a culpa para governadores e prefeitos, realimentou os discurso políticos dos últimos dias. A opção pelo "lockdown meia sola", enquanto reação à exposição da população ao contágio, fez parte de um argumento ideológico que, por não agradar ao governo central, serviu como pretexto para o baixo desempenho econômico. Nessa lógica, no vigor da transferência de responsabilidade, tem sobrado para os governadores e prefeitos toda culpa pelo insucesso.
A prática adotada não só fez sentido porque a autonomia federativa foi reforçada por decisão judicial. Houve também pesquisas que, ao contrário da "tese contaminatória", mostraram a importância do isolamento social para uma reação e melhora da economia
Por mais que seja da pragmática a descentralização que deriva, "latu sensu", do conceito federativo. Por mais que se tenha também em consideração, "stricto sensu", toda capilaridade do SUS. É fato que erros de conduta podem acontecer na cadeia intermediária e na própria ponta da operação. Mas, negar o papel de articulação e coordenação diante de processos tripartites, só para transferir responsabilidade para os demais pares, representa mais uma prova da insistência em cima das velhas práticas.
Outro fato evidente decorreu de algo cuja responsabilidade plena do governo central é tão ou mais evidente: o combate à inflação. Diante da escalada inflacionária recente e da nominação dos vilões, como o peso dos combustíveis no índice, transferir a culpa do problema para o vetor fiscal dos estados, apenas corrobora novo pretexto.
É daí que já se configura o embate político desejado, com os olhos voltados para as eleições de 2022. Mesmo que a retomada da inflação pouco ou nada tenha a ver com as distintas alíquotas do ICMS (principal fonte de receita dos estados), pela óbvia falta de intervenção há anos. Faz bem mais sentido o poder da PETROBRAS em influir nos preços, mormente, pela forte vinculação desses ao setor externo. No caso, através da dependência dos preços que balizam o barril de petróleo e da assimilação da variação cambial. É daqui que vem o impacto atual sobre os preços dos combustíveis.
Quem tanto brada por liberdade precisa aprender a assumir o que ela melhor expressa: responsabilidade. Talvez, a negação desta seja a razão de uma liberdade que só tem serventia para discurso vazio. E assim a economia segue ameaçada pela recessão e inflação.