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Pauta econômica na política: entre a traição e a pausa

Ilustração: Hugo Carvalho/Editoria de Artes/Folha de Pernambuco

Reconheço na figura de Nélson Rodrigues um dos nossos principais cronistas sociais. Arguto observador da realidade cotidiana dos brasileiros, ele descreveu como poucos o dúbio senso ético de uma sociedade acostumada às distintas formas de traições. Afinal, para quem enfatizou que "só os inimigos não traem nunca", apenas dessa essência há como se constatar sua percepção sagaz sobre o tema. 

Noutro momento de lucidez, Nélson também trouxe à tona uma percepção que foi capaz de exprimir numa frase não menos emblemática. Assim, certa vez ele disse "que o mais importante no diálogo não é a palavra, pois a relevância está na pausa, haja vista que através dela as pessoas se entendem e entram em comunhão".

Tomo a liberdade de juntar essas "verdades rodrigueanas" para inferir  sobre um contexto econômico, que depende dessa ética política. Assim, não se espante o leitor pela ousadia de expor Nélson a uma análise econômica aparentemente distante das suas crônicas. Julgo ser um exercício válido por mero ofício de retórica. Como as frases cabem naquele figurino político e desse traço podem ser deduzidos os impactos econômicos, o arrojo desse ensaio vira cena de reflexão. 

O embate que antecedeu o dia da dupla eleição para o Congresso faz todo sentido. A traição foi peça comum da engenharia política praticada nos bastidores dos poderes. E dela se comprovou que só o inimigo é quem não prevarica. Nessas horas, não adiantam ideologias, afinidades programáticas ou pertencimento às  estruturas partidárias. Fica valendo a solidão de quem decide sem transparência e no segredo de um sufrágio que costuma comprometer o interesse do eleitorado.

Pior que isso só a revelação aberta de um ato surpreendente e que não deixe também de realçar que a traição parece fazer parte da cultura política. E um fato assim se deu momentos depois da eleição na Câmara. Não obstante o vencedor ter acenado em discurso sobre eventuais decisões de entendimento, foi surpreendente assistir que seu primeiro ato foi justamente o contrário. Ou seja, ignorou a relevância daquela pausa rodrigueana, que simbolizaria a comunhão antes anunciada em discurso. Um gesto que corrobora a opção pelo conflito, com sinais de que os velhos riscos de traições continuam pairando nos corredores e plenários do poder.

E onde fica a economia nesse ambiente? De fato, o desencontro parece fazer parte de uma banalização na política, por mais que os agentes desse destempero sejam alguns praticantes do próprio ofício. 

Nesse caso da investidura do novo comando na Câmara, o gesto de anular uma decisão sem considerar o entendimento, por mais precária que fosse sua substância jurídica, traduz-se como ruptura, como exagero de força. Uma atitude tomada após o anúncio solene de que a práxis seria do diálogo e do respeito ao contraditório.

Claro que essa situação colocou sob desconfiança os mercados. Havia um prenúncio de normalidade, que as agendas econômicas no Congresso seriam retomadas no modo mais convergente possível. E, de repente, a tal revogação revelou para os agentes econômicos uma dose de insegurança, no mar de incertezas que se vislumbra ao alcance das lentes de um "telescópio" nervoso.

Uma economia à deriva. Que tem sua pressa por soluções, em larga medida dependente da maturidade política. E onde a espera que se tolera é apenas da pausa para entendimentos. Afinal, as reformas urgem e não suportam traições. Instabilidades à vista.

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