Protagonismo Feminino e Desiguldade Resilente (*)
O Atual Retrato Socioeconômico do Brasil
Por mais animadora que seja alguma mínima conquista social, num contexto de resiliência na desigualdade de renda e de gênero, ainda há muito por avançar. Ao me colocar direto no xis da questão, destaco que as estatísticas mais recentes do IBGE, das PNADs ao Censo, ainda revelam um retrato socioeconômico de um Brasil que parece confirmar sua vocação para perder oportunidades transformadoras. Seja pelas lentes que não resolvem a hipermetropia, por falta de firmeza na decisão política. Ou mesmo, pelas lentes que não resolvem a miopia, por falta de valores éticos e humanísticos no âmbito da sociedade.
Com base nessa pegada, foi fato que o último "outubro rosa" trouxe mais uma consagração da luta feminina. Além do alerta natural em defesa da vida, dado pelo respeito às políticas de prevenção da saúde, os números censitários de 2022 trouxeram um marco: que praticamente metade dos domicílios brasileiros (em 10 Estados, os números revelaram uma maioria) está sob responsabilidade feminina (49,1% dos lares ou 36 milhões de unidades domésticas). Em relação ao Censo de 2010, isso representou um aumento maior que 10 pontos percentuais.
A realidade dessa enorme conquista contrasta com outros números mais preocupantes, reveladores de um protagonismo feminino ainda frágil. Numa microvisão imediatista, percebe-se que, apesar das mulheres representarem 52% da população e somente 44% da força de trabalho, a cultura patriarcal que exalta o trinômio torpe do sexismo, machismo e misoginia, projeta ainda uma baixa geração de oportunidades profissionais. Juntam-se a tal quadro as diferenças salariais impostas para as mulheres em ofícios iguais aos dos homens (ganham 21% a menos, segundo a PNAD). E mesmo sendo melhor na escolaridade, as mulheres ocupam pouco mais de 10% das funções diretivas das grandes empresas. São esses os elementos que bem definem o que seja a ordem de grandeza da desigualdade de gênero no Brasil.
Essa percepção ainda se mostra mais preocupante numa macrovisão do fenômeno da desigualdade. Afinal, o desafio da melhoria da produtividade e o desvencilhar-se da armadilha da renda média, são compromissos políticos que estão distantes e que poucos enxergam. A transformação pela educação como saída exige não só decisão política, mas revisão dos valores éticos e humanísticos de uma sociedade à deriva.
(*) Dedico este texto à influência que tive (e tenho) de mulheres fortes: avós, mãe, tias, professoras, esposa, filha, nora e netas. Por extensão, para todas mulheres que se sintam engajadas nas suas lutas. E para duas Fernandas especiais e maravilhosas. Mãe e filha. Montenegro e Torres. Todas "ainda estão aqui: no coração e na memória".