Quando a Cultura do Turismo Independe do Turismo da Cultura
A Opção Vitoriosa de um "Case" Chamado Gramado
Entre tantas sacadas tão inteligentes quanto irônicas, o multimídia Millôr Fernandes - cujo centenário foi comemorado no último dia 16 - revelava que o "especialista é o que só não ignora uma coisa". Aproveito-me dessa frase para resgatar minha compreensão sobre o sucesso turístico de Gramado, a charmosa cidade da Serra Gaúcha, que se projetou para o mundo pelas lentes do seu Festival de Cinema. Há exatos 51 anos.
Sou assíduo na frequência turística de modo profissional em Gramado. Neste ano de 2023, comemoro - na condição de convidado uma marca presencial significativa: 27 edições das 51 realizadas. Pela experiência desse currículo, penso que posso dizer algo a mais, independente do que aprendi nas duas incursões públicas que tive como secretário de turismo. Portanto, mesmo que no meu olhar passional pelo que aprendi- e conquistei - com Gramado, sinto-me à vontade para enaltecer seus valores turísticos e até me mostrar preocupado com algumas situações.
Quando destaco aqui o papel de especialista, quero dizer que Gramado se assumiu pelos valores naturais e sua identidade de influência europeia (na gastronomia e no padrão de qualidade (neste e noutros serviços), para criar seu modo particular de fomentar e difundir o ofício do turismo. Num país tropical, onde a diversidade cultural não coube como produto turístico, quase todos esforços foram exageradamente direcionados para o binômio "sol e mar". Neste papel geral e com uma discutivel qualidade nos serviços prestados, a ousadia de Gramado em fazer diferente da maioria e ainda "vender" produtos dos mais distintos, sob os efeitos climáticos do frio, tem gerado um sucesso nacional, sem precedentes.
Gramado se afirmou. Soube, enfim, explorar suas vocações e se revelou hoje como um dos maiores destinos turísticos do país. Os empregos gerados, os fluxos de rendas distribuídos, as quantidades expressivas de leitos e os serviços muitas vezes criativos e de qualidade, proporcionaram tamanho status. Mas, como acontece em situações de grandeza, riscos cabíveis e pontos fora da curva acontecem. E melhor quando se pode combatê-los com a mesma competência que se construiu o sucesso.
Um primeiro ponto a chamar a atenção é uma mera lembrança meritória. Se antes já havia notado, continuei na percepção um certo distanciamento de parte da sociedade gramadense com o Festival de Cinema. A grandeza de um destino turístico que hoje se envolve com outros eventos de maior dimensão econômica, não pode abandonar aquele que deu origem ao sucesso de hoje. A cidade precisa rever isso.
Por outro lado, o contexto de uma demanda maior e mais elitizada, que busca por tantos serviços de qualidade ofertados, fez-se por criar uma realidade de preços que está fora da realidade do padrão médio do brasileiro. Gramado é uma cidade cara e assim se expõe a riscos. Afinal, seus consumidores exigentes costumam usufruir de produtos iguais e melhores fora do Brasil. Razão pela qual a cidade precisa não só ficar atenta a esse risco de volatilidade do tipo de turista que hoje demanda, como lembrar que sua história também se fez, por meio do trabalho de operadores e agentes, que sempre venderam para turistas que dependem de créditos e parcelamentos.
Por fim, a grandeza também impôs a uma cidade pequena um padrão de problemas urbanos mais presentes nas cidades grandes. Um problema novo está visível: mobilidade urbana.
É bem isso. O sucesso tem lá seus percalços. E estes precisam ser encarados com o mesmo ímpeto com o qual as conquistas vieram. Hora de reflexão e decisão.