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Quando a ignorância econômica gera uma criminalização estúpida

O ódio obsessivo pelo setor cultural e seus incentivos fiscais

A sociedade atual parece ter perdido certos limites comportamentais, em particular, por querer tratar informações sem um mínimo de discernimento. Exemplos assustadores se repetem, na mesma velocidade com a qual as transformações têm ocorrido nesse mundo atual, tão estranho. 

 

Diante disso, parece-me possivel extrair, por exemplo, que a estupidez humana é algo que tem prazo de validade. Quando ela é medida pela régua da ignorância, que apenas valora conceitos e atos equivocados, a resiliência fala mais alto. Não só se exaure o discernimento. O que poderia ser apenas singular, revela-se agora como o extrato de mais um ideal supremacista.

 

É por isso mesmo, que parece ser bem mais fácil aduzir certos indivíduos, nessa tática de fazê-los convencidos por argumentos estúpidos. Difícil mesmo é o esforço por provar o quanto estão enganados. Como tenho dito, por mérito de uma ferramenta tecnológica que também é servil ao mal, indivíduos se empoderaram para ver, ouvir e falar o que bem desejam. Nesse exercício hipócrita de liberdade, a constância de tantas mentiras tem feito valer um senso de verdade absoluta, que é óbvio e naturalmente  tão inválido quanto preocupante. 

 

Tento aqui resumir os efeitos dessa espécie de "criminalização" que foi instaurada em torno dos que produzem cultura. Faço questão de me amparar no verbo "produzir", justo para partir do princípio elementar que, por mais ignorada seja a atividade cultural, ela mobiliza recursos e cria valores econômicos. Portanto, desprezar esse conceito, para daí formular qualquer análise que seja a respeito do tema, já representa um erro de iniciativa. Assim, ao abusarem do desdém contra os que fazem cultura, reforçam uma tese anti-econômica de que seus agentes nada fazem e que muitos são ainda meros usurpadores de dinheiro público, porque são avessos aos riscos dos mercados. Cabem-me duas reações como contraposição, algo que farei logo em seguida, embora baseado num episódio recente que só reforça o tamanho da estupidez, diante dessa escalada da ignorância.

 

O fato que dá o devido respaldo às minhas reações foi o lamentável ataque sofrido por um ícone brasileiro - o multicultural Gilberto Gil. Aquele triste e agressivo episódio explica tudo: o ódio à cultura, o demérito artístico, a negligência em torno do valor econômico, o desconhecimento sobre o que seja identidade nacional e a desinformação relativa aos setores estratégicos. A postura idiota daquele agressor fanático foi bem isso: criminalizar a cultura ao atingir um artista do porte de Gil e, por tabela, o incentivo fiscal.

 

Artistas como Gil, independente de atuarem diretamente como produtores, são alvos frequentes. Esquecem que, por trás de cada nome atingido, há um ecossistema produtivo, capaz de gerar fluxos de empregos e rendas. E justo por essa grandeza econômica e pelo papel que suas atividades poderão exercer numa estratégia de desenvolvimento socioeconômico, que a cultura também fica sujeita às políticas de fomento. Nada diferente de outros setores econômicos considerados como estratégicos e que recebem incentivos, na maioria das vezes com baixíssimos questionamentos, por parte da sociedade.

 

De fato, parece-me importante dizer que a proporção do incentivo fiscal recorrido pelos produtores culturais é algo ínfimo, em termos do volume total de concessões (menos de 1%). Também cabe explicar que tudo que se propõe como renúncia fiscal não é efetivamente consumado. Há filtros por considerar, que psssam por descontigenciamentos, capacidade de captar e a execução, propriamente dita. Isso sem falar nos controles burocráticos de prestações de contas e auditorias de órgãos colegiados e fiscalizadores. Aliás, um modelo de operação diferente dos demais casos beneficiários, por mais que a cultura possa se revelar como ordem de grandeza economica maior, na própria capacidade de gerar empregos e rendas. 

 

Por fim, para validar essa espécie de preconceito econômico, costumo reagir às provocações sobre conceitos que, mesmo tolerantes ao papel econômico da cultura, questionam seu protecionismo, nos termos dos seus benefícios públicos. Aqui, a ignorância está em por em escala menor o que julgo num plano superior, que justifica o papel estratégico. Refiro-me ao desconhecimento e a desinformação a respeito da relevância da identidade nacional. Mais do que a generalidade de entendê-la como uma questão de soberania, num país com a riqueza e a diversidade cultural que se enxerga no Brasil, não garantir a preservação e a continuidade de valores tão caros à nação, é uma decisão apátrida e de riscos assumidos. Em particular, nos casos de produções cuja falta de vigor comercial seja um dado, o papel auxiliar do Estado é perfeitamente concebível. Questionar o mesmo por mera motivação ideológica, seria argumento similar para inúmeras outras, quase ou nada contestadas pelas mesmas razões dos incentivos. 

 

Que a agressão indevida e descabida dirigida a Gil, sirva também de motivo para reflexão, no sentido de se retomar aquela velha percepção a importância econômica da cultura.

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