Quando investir em saneamento básico é uma questão de dignidade
Por que os resultados do saneamento básico comprometem tanto outros setores?
Penso que o contexto secular da desigualdade de renda no Brasil ficou tão exacerbado, a ponto dessa tragédia social não poder mais ser aceita, em pleno século 21, da revolução digital. Sem essa construção coleriva em favor de uma política social transformadora, seguiremos na contramão do desenvolvimento.
De fato, a tolerância da sociedade brasileira em "seguir com esse jogo do faz de conta", de dar às costas diante da falta de decisões políticas por mudar de verdade, tudo isso só tem servido mesmo para corroborar uma indigna exposição de tanto tempo de negligência.
Nos últimos anos, um comportamento, piorado pela diversidade das crises, que reafirmou um problema estrutural mais grave de desigualdade, miséria e fome, em larga medida explicado pela baixa qualidade no ensino, pela falta de acesso à saúde e pelas péssimas condições de saneamento básico. É neste último ponto que me concentro hoje.
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Confesso que além de não suportar a reinscrição do Brasil no mapa da fome, continuar sem uma solução universal para o acesso à água potável e o tratamento adequado à rede de esgoto. São milhares de domicílios que se espalham pelos recantos do país, que convivem estranha e passivamente com a ausência de um padrão mínimo de condições sanitárias.
Por isso, tenho hoje uma percepção imediata de que encarar o tamanho desse desafio público, passou a ser uma questão de dignidade humana. Não apenas por mera sensibilidade política e/ou defesa técnica.
Estudos recentemente divulgados esrimaram um desperdício alocativo de cerca de R$ 800 bilhões, até 2040, pelo desprezo histórico do Brasil não ter feito a lição de casa, em termos de saneamento básico. Todo um benefício que se teria conquistado em termos de estabilidade socioeconômica, literalmente jogado no ralo. Mais um estranho exercício de insistência em favor do esgoto a céu aberto.
Tamanha negligência, repito, provocou ao longo do tempo sérios impactos não só na saúde, como na educação, no mercado de trabalho, no meio ambiente e até no turismo. Ou seja, o problema não se restringiu, numa visão breve, às questões da saúde preventiva e os seus custos correlatos. São crianças e jovens que faltam aulas pelas enfermidades. São também as perdas de produtividade com uma mão de obra não menos afetada pelas doenças.
Por fim, uma situação ambiental marcada pela poluição e um turismo muitas vezes prejudicado pela imagem de dejetos, ou mesmo, pelas más condições de balneabilidade das praias.
Tudo isso é reflexo de gestões públicas ruins, descomprometidas com os investimentos em saneamento básico. Os números sofríveis mostram bem isso, quando temos ainda 16% de domicílios sem água tratada e 45% sem rede de esgoto.
Não dá mais para a população carente contar, como algo certo do seu cotidiano, a falta de água e o esgoto aberto à sua porta. É preciso coragem e decisão política para romper com mais esse problema estrutural da nossa desigualdade.
Que tal planejar metas exequíveis pela universalização desses serviços públicos? Afinal, a dignidade humana precisa ser urgentemente restaurada e priorizada.