Que se faça valer o viés econômico da cultura
Foi com todo repertório descrito no texto anterior, que a atividade cultural brasileira se deparou com uma situação inédita e absolutamente contundente: o impacto de uma pandemia, com consequências imprevisíveis. Justo nesse contexto é que se faz vital o reconhecimento meritório de que se trata também de um setor com forte viés econômico. Por isso mesmo, a Cultura não só precisava ser considerada no plano emergencial de recuperação. Precisava-se disso e mais alguma coisa.
Assim, no curto prazo, num jogo de pressão dos agentes econômicos contra o Congresso Nacional, o Governo acatou o descontigenciamento de R$ 3 bilhões do Fundo Nacional de Cultura (a Lei denominada de Aldir Blanc). Inciativa providencial, muito embora a demora da regulamentação e a excessiva burocracia talvez não permitam que a extensão da cobertura dos programas alinhados não atenda a maioria dos Estados e Municípios.
De qualquer modo, vencida essa etapa emergencial, quero acreditar que toda energia desencadeada para enfrentar a crise possa também impor uma reflexão tripartite (governos, sociedade e integrantes da cadeia produtiva da Cultura), no sentido de que, verdadeiramente, o setor possa ser repensado pelo seu viés econômico. Sem os questionamentos histéricos dos que não percebem o papel da Economia. E sem as ações estéreis dos que não conseguem fazê-la efetiva ou exequível.
Em resumo, a dimensão dessa crise, carece ser significante para o papel de se dar agora à Cultura a essência econômica que sempre teve, mas desconsiderada. As questões básicas iniciais se atrelam ao socorro econômico em si. E isso envolve muito mais o comprometimento dos entes públicos em considerar, minimamente, empregos e rendas, destroçados pela pandemia. De fato, a desmobilização do consumo no setor foi integral e a volta à normalidade ainda se mostra lenta. Ou seja, os prazos dessa operação, pela peculiaridade das atividades, ditarão uma situação de desconforto mais prolongada que de outras atividades econômicas. Essa é a hora de garantir a extensão dos benefícios, como se pensar nas soluções que derivem dos recursos originalmente destacados para o setor. Nesse aspecto, descontigenciar os fundos e buscar meios de manutenção dos atrativos para quem patrocina, via leis de incentivo, são ações vitais, ao alcance dos gestores públicos.
Por seu turno, para o médio e longo prazos, o contexto a ser pensado envolve muita reflexão e posterior decisões. Embora que coberto por incertezas, os efeitos do pós-pandemia poderão ser transformadores, pois é plausível a tese de que ocorrerão mudanças de condutas, hábitos e costumes. Ou seja, naquela ideia do triângulo, o vértice do consumidor poderá revelar valores inéditos e inesperados, para os quais os agentes produtivos precisarão estar atentos. Nesse novo confronto de mercado, no sentido de quem deseja consumir e oferecer produtos culturais, caberá ao poder público algumas novas compreensões. Isso será importante para que se incorpore a Cultura no discurso da sua retomada e do próprio desenvolvimento econômico. Ademais, negociado entre as partes, poder-se-ia construir também um modelo mais sólido de instrumentalização fiscal e creditícia. Afinal, o produtor cultural carece de ser reconhecido como agente econômico. Outro aspecto está na órbita da geração de indicadores socioeconômicos, uma tarefa cuja centralidade estaria sob a égide técnica das estatísticas geradas pelo IBGE.
À primeira vista, pode não parecer oportuno se chamar a atenção para o significado econômico da Cultura, em plena pandemia. Mas, dadas as adversidades que expõem aquele perfil "3 D", que citei no texto anterior, parece que a hora é essa. É preciso mudar o discurso e definir rotas.
Como dizia Chaplin: sonhar em reticências e viver sem ponto final. Apesar do histórico de tantas dificuldades, a Cultura sempre foi ofício de resiliência. Desistir não faz parte de seu roteiro.